
Nota do webmaster: Texto traduzido e editado por Sripad Râmdâs Prabhu. Lido primeiro aqui. A versão original em sânscrito, com translitereção Itrans, pode ser lida aqui. O texto original em devanagari pode ser baixado aqui.
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1. Eu componho este âtma-bodha (conhecimento do eu) para servir às necessidades daqueles que, havendo-se purificado através da prática de austeridades, e havendo adquirido paz no coração, carecem de desejos e almejam a Liberação (moksha).
2. Como o fogo é a causa da cocção, assim o conhecimento (jñana), e nenhuma outra forma de disciplina, é a causa direta da Liberação. Porque a Liberação não pode ser obtida sem conhecimento.
3. A ação não pode destruir a ignorância porque a primeira não está em conflito com a segunda. Tão somente o conhecimento é capaz de destruir a ignorância, assim como somente a luz é capaz de destruir a densa escuridão.
4. É somente por causa da ignorância que o Ser aparece como finito. Quando a ignorância é destruída, o Ser, que não admite nenhuma multiplicidade, revela verdadeiramente seu Ser por Si mesmo, como o Sol quando as nuvens se apartam.
5. Através da prática repetida [em meditar no Eu], o Conhecimento purifica a alma encarnada [a jîva] maculada pela ignorância, acabando esta por desaparecer assim como o pó da noz Kataka desaparece depois de haver limpado a água lodosa.
6. O mundo cheio de apegos, aversões e tudo o mais, é como um sonho. Aparece como real, enquanto nos mantenhamos ignorantes, porém torna-se irrealidade quando o indivíduo desperta.
7. O mundo parece real tanto tempo em que o Brahman não-dual, que é a base de tudo, permaneça desconhecido. Isto é como a ilusão de ver a prata em uma concha de ostra.
8. A totalidade das múltiplas formas existe na imaginação daquele que percebe, sendo o substrato o eterno e oniabarcante Vishnu, cuja natureza é Existência e Inteligência. Nomes e formas são como as pulseiras e braceletes, e Vishnu como o ouro do qual eles são feitos.
9. Como o oniabarcante Akasha (espaço, éter) parece tomar formas diversas, por causa de sua associação com os upadhis (lit. "algo que limita ou condiciona", a mente, etc.), que são distintos um dos outros, e, entretanto, torna-se um no tempo da destruição dos upadhis, do mesmo modo, o onipresente Senhor Hrishikesha (nome de Vishnu) parece diverso, à causa de sua associação com os distintos upadhis, e torna-se um no tempo da destruição dos mesmos.
10. Devido a sua associação com os diversos upadhis, idéias tais como casta, cor, e posição são sobre-impostas ao Âtman, tal como o sabor e a cor, etc são sobre-impostos à água.
11. O corpo denso [1º upadhi], ou seja, o meio pelo qual a alma (jîva) experimenta prazer e dor, é moldado pelas ações passadas (karma) e formado pelos cinco grandes elementos sutis que tornam-se densos quando a metade de um dos elementos sutis se une com a oitava parte de cada um dos outros quatro.
12. O corpo sutil [2º upadhi], o instrumento das experiências da alma, é formado pelos cinco pranas, os dez órgãos, a mente e buddhi, todos formados dos elementos originais antes de sua subdivisão e combinação entre si.
13. Avidya [3º upadhi], ou ignorância, indescritível e sem origem, é denominada "a causa", já que é um upadhi sobre-imposto ao Âtman. Tenhamos por seguro que o Âtman é diferente dos três upadhis.
14. Por causa da união com as cinco envolturas, o Âtman puro parece ser como elas tal como ocorre com um cristal que parece dotado de cores, tais como o vermelho ou o azul, quando entra em contato com véus vermelhos e azuis.
15. O indivíduo deveria através do discernimento, separar o Puro Ser das envolturas com as quais se acha encoberto; do mesmo modo que alguém separa o grão do arroz da casca que o recobre, golpeando-o com uma pedra de moer.
16. Ainda que o onipotente Âtman não brilhe em todas as coisas, Ele se manifesta em buddhi, como um reflexo nas águas claras ou um espelho limpo.
17. O indivíduo deveria dar-se conta que o Âtman é distinto do corpo, dos órgãos dos sentidos, da mente, de buddhi e da Prakriti não diferenciada, e que é a testemunha dessas funções, comparável a um rei.
18. Como a lua dá a sensação de mover-se quando as nuvens se movem no céu, assim também, para as mentes que carecem de discernimento, o Âtman parece estar ativo, quando em verdade é tão somente os sentidos que estão.
19. O corpo, os sentidos, a mente e buddhi, se ocupam, cada qual de sua tarefa respectiva com a ajuda da consciência, inerente ao Âtman, igual aos homens que trabalham com a ajuda da luz que é inerente ao sol.
20. Os tolos, através do não-discernimento, sobre-impõem ao imaculado Âtman, que é Existência e Consciência Absoluta, as características e funções do corpo e dos sentidos, tal como as pessoas comuns atribuem ao céu as características de côncavo e azul.
21. Assim como o movimento que pertence as águas pode ser atribuído por ignorância à lua que se reflete sobre elas, do mesmo modo, o obrar, o gozar e outras limitações, que pertencem somente à mente, são falsamente atribuídos ao Âtman.
22. Apegos, desejos, prazeres, dores e tudo o mais se percebem como existentes enquanto perduram as funções da mente e de buddhi. Deixam de ser percebidos no estado de sonho profundo, quando a mente cessa de funcionar. Portanto, pertencem a mente somente e não ao Âtman.
23. A natureza do Âtman é Eternidade, Pureza, Realidade, Consciência e Felicidade, assim como a luz é a natureza do sol, o frescor é a da água e o calor é a do fogo.
24. Noções tais como "eu sei" ou "eu conheço" são produzidas pela união – devida ao não-discernimento – de uma vikrit [modificação] da mente com dois aspectos do Âtman: Existência [Sat] e Consciência [Cit].
25. Âtman nunca experimenta mudança alguma, assim como buddhi tampouco jamais se acha dotada de consciência [Cit]. O homem, entretanto, crê que o Âtman é idêntico a buddhi, e assim cai sob as ilusões de considerar-se como "o que vê" e "o que conhece".
26. A alma se considera a si mesma como jîva e é possuída pelo medo, da mesma maneira que um homem considera uma corda como uma serpente. A alma recupera seu destemor ao dar-se conta que ela não é esse jíva, senão a Alma Suprema.
27. A mente, os órgãos dos sentidos, etc. são iluminados pelo Âtman, do mesmo modo que uma jarra ou um pote o são por uma lamparina. Porém, estes objetos materiais não podem iluminar seu próprio Ser.
28. Assim como uma lamparina iluminada não necessita de outra lamparina para manifestar sua luz, assim o Âtman, sendo Consciência em si mesmo, não necessita de nenhuma outra consciência para iluminar seu Ser.
29. Ao negar a realidade dos Upadhis com a ajuda das sentenças das escrituras que dizem: "Não é isto, não é isto" [neti, neti], o indivíduo se dá conta da unidade da alma individual e da Alma Suprema, ajudado pelos grandes aforismos védicos ["Tu és Isso", "Este Âtman é Brahman", "A Consciência é Brahman" e "Eu sou Brahman"].
30. O corpo e os demais elementos, criados por Avidya [ignorância], de natureza idêntica aos objetos, são perecíveis como bolhas. Conscientiza, através do discernimento, que tu és o imaculado Brahman, completamente distinto de tuas envolturas!
31. Eu sou livre de mudanças tais como nascimento, velhice e morte, porque eu sou distinto deste corpo; eu sou desapegado de todos os objetos dos sentidos, tais como a audição e o paladar, porque eu, em minha essência, careço de órgãos sensoriais!
32. Eu sou livre de tristeza, de apegos, de malícia e de temor. Porque eu sou algo distinto da mente. "Ele [o âtman] carece de prana e de mente, Ele é puro, o mais alto que o elevado e imperecível" [Mundaka Upanishad, II, i, 2].
33. "Daquele [Brahman] nasceu o prana, a mente e todos os órgãos dos sentidos, o éter, o ar, o fogo, a água e a terra, porque Aquele é o suporte de todos."
34. Eu careço de atributos e de ação, sou eterno e puro, estou livre de mácula e desejo, não tenho modificações, careço de forma e sou sempre livre!
35. Sou pleno de todas as coisas, por dentro e por fora, como o mesmo espaço [akasha]. Careço de modificações e sou o mesmo de sempre, em tudo; sou puro, desapegado, imaculado e imutável.
36. Eu sou realmente Aquele Supremo Brahman, que é eterno, imaculado e livre. Que é Uno, indivisível e não-dual, e cuja natureza é Felicidade, Verdade, Conhecimento e Ilimitado!
37. A impressão "eu sou brahman", criada por uma ininterrupta reflexão, destrói a ignorância e seus derivados, da mesma maneira que o elixir da longa vida rasayana destrói todas as enfermidades.
38. Sentado em um lugar solitário, liberando a mente de todos os desejos e controlando os sentidos, deve se meditar como irremovível atenção no infinito Âtman, o qual é Uno sem segundo.
39. O homem sábio deve, diligentemente, fundir todo o mundo objetivo somente no Âtman e pensar constantemente nesse Âtman como se fosse um céu imaculado.
40. Aquele que obteve a suprema bem-aventurança, deixa de lado os objetos, seus nomes e formas, e reside no mundo como se fosse a personificação da Consciência Infinita e da Infinita Felicidade.
41. O Ser Supremo, por ser da natureza da bem-aventurança infinita, não admite a distinção entre conhecedor, conhecimento e objeto de conhecimento. Ele brilha por si só.
42. Por meio da meditação constante (comparável ao atrito das lenhas para acender o fogo) se eleva a chama do Conhecimento, que reduz completamente a cinzas, a ignorância.
43. Como o sol ao amanhecer aparece logo após de destruir as trevas da noite, assim o Âtman aparece logo após a destruição da ignorância pelo Conhecimento.
44. Ainda que o Âtman seja uma Realidade sempre presente, ainda assim, devido a ignorância, não é percebido. Pela destruição da ignorância, o Âtman se mostra. É como o caso da jóia que se leva presa no próprio pescoço.
45. Brahman parece ser jîva [individual], por causa da ignorância; como um tronco de uma árvore pode ser considerado, de longe, um homem. Essa jîva é destruída quando se consegue perceber sua real natureza.
46. O conhecimento que se obtém pela realização da verdadeira natureza do Real destrói imediatamente a ignorância que se encontra caracterizada pelas noções de "eu" e "meu", como o sol dissipa a dúvida sobre o caminho a seguir.
47. O yogui dotado de completa iluminação vê através dos olhos do conhecimento a totalidade do universo em seu próprio Ser, e considera todas as coisas como esse Ser e nada mais.
48. O universo tangível é realmente o Âtman. Nada do que existe pode ser outra coisa que o Âtman. Como um pote e uma jarra são realmente argila, e não podem ser nada senão argila; assim, para o iluminado, tudo que é percebido é o Ser e nada mais que o Ser.
49. o jivanmukta (alma liberada), dotado do Conhecimento do Ser, abandona o contato com seus upadhis anteriores. Porque, com o conhecimento de sua natureza, e percebendo que ele é Existência, Sabedoria e Felicidade Absoluta, ele torna-se Brahman: como uma vespa se transforma no inseto bhramara [ou como diríamos aqui, uma lagarta se transforma numa borboleta]
50. Um yogui que é jivanmukta, depois de haver cruzado o oceano da ilusão e haver matado os monstros da paixão e da aversão, se une com a Paz e descansa na Felicidade que tão somente provém da realização do Ser.
51. Absolutamente desligado de todo apego ilusório e de toda ilusória felicidade externa, o Jivanmukta, que reside no Ser, se satisfaz com a felicidade que provém do Âtman, e brilha interiormente, como uma lamparina posta dentro de um cântaro.
52. A despeito de encontrar-se em contato com seus upadhis, ele, o homem de contemplação, permanece imaculado por suas qualidades, impoluto como o céu e se mantém inalterável diante de qualquer condição, como um surdo-mudo. Ele se move sem travas como o vento.
53. Com a destruição de seus veículos, ele, o sábio contemplativo, se funde totalmente em Vishnu, o todo-poderoso Espírito: como água na água, espaço no espaço e luz na luz.
54. Ao perceber que se é Brahman, nada resta por obter, nem nenhuma outra felicidade por desejar, nem nenhum outro conhecimento que valha a pena ser indagado.
55. Ao perceber Brahman, nada resta para se ver; ao fundir-se n’Ele, não se volta a nascer; ao conhecê-lo, nada resta por conhecer.
56. Deve se entender que Brahman é Existência, Conhecimento, Felicidade Absoluta, que é não-dual, infinito, eterno e uno, e que abarca tudo o que é existente, o que está acima, o que está abaixo e o que existe no meio.
57. Deve se entender que Brahman é não-dual, indivisível, Uno e bem-aventurado, e que é indicado pela Vedanta como o irredutível substrato que permanece logo depois da negação de todos os objetos sensíveis.
58. Deuses como Brahmâ e Indra saboreiam tão somente de uma partícula da ilimitada Felicidade de Brahman, e gozam proporcionalmente somente da parte que lhes corresponde.
59. Todos os objetos estão impregnados de Brahman; todas as ações são possíveis por causa dele. Portanto, Brahman impregna todas as coisas, como o leite impregna a manteiga.
60. Deve se dar conta que Brahman não é sutil nem denso, nem curto nem largo, que não tem nascimento nem modificações, que carece de forma, qualidades e cores.
61. Deve se dar conta que pela luz de Brahman se encontram iluminadas as órbitas do sol e da lua; que Ele não pode ser iluminado por suas luzes e que por Ele todas as coisas recebem iluminação.
62. O Supremo Brahman impregna o universo inteiro, interna e externamente, e brilha por Si mesmo, como o fogo que, brilhando por si mesmo, impregna tanto por dentro como por fora, uma bola vermelha de ferro.
63. Brahman é diferente do Universo. Não existe nada que seja Brahman. Por isso, se qualquer objeto diferente de Brahman parece existir, é irreal, como uma ilusão de ótica.
64. Tudo o que é percebido, tudo o que escutado, é Brahman e nada mais. Ao obter o Conhecimento do Real, se vê o Universo como Brahman não-dual; Existência-Conhecimento-Felicidade Absoluta.
65. Embora o Âtman seja Realidade, Consciência e estar sempre presente em todas as partes, ainda assim é percebido somente pelos olhos da Sabedoria. Porém, aqueles cuja visão se encontra obscurecida pela ignorância, não vêem o Âtma todo-luminoso, como o cego não pode ver o sol resplandecente.
66. A jîva livre de impurezas, havendo sido iluminada pelo fogo do Conhecimento aceso ao escutar os ensinamentos, brilha por si mesmo, como o ouro.
67. O Âtman, o qual é o Sol do Conhecimento, se eleva no firmamento do coração e destrói as trevas. O todo penetrante e sustentador de tudo é aquele que ilumina a totalidade e inclusive a si mesmo.
68. Aquele que renunciando a toda atividade, rende culto no sagrado e imaculado santuário de Brahman, que é independente do tempo, lugar e distância; que se encontra presente em todas as partes; que é o destruidor do calor e do frio e de todos os outros pares de opostos, e que é doador da Felicidade Eterna, torna-se todo conhecedor, todo penetrante e obtém depois a Imortalidade.
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