Uns meses atrás li um texto -- infelizmente não guardei a fonte -- em que o autor, tratando de religiões, falava da importância de se aprofundar. Ele comparava o estudo e a prática de uma religião ao ato de cavar em busca de água doce: cavar vários buracos rasos em vários pontos diferentes certamente não trará resultados; o que realmente permite encontrar água doce é cavar fundo num único ponto. Como o leitor notará, a metáfora aplica-se a muitas coisas -- ao yoga inclusive.
No yoga, a busca por métodos, linhas, escolas e orientações assemelha-se a cavar raso. Neófitos do yoga entusiasmam-se com esse turbilhão de invenções, sobretudo ao notar que muitas delas trazem benefícios palpáveis. Mas raramente fornecem água. Trazem a sensação de matar a sede, mas não permitem que a água corra, não permitem que o indivíduo realmente disponha de uma fonte permanente de água. Cada novo buraco indica outro ponto onde o indivíduo deverá cavar, submetendo-o a uma busca interminável que apenas aumentará sua sede.
O leitor poderá replicar que cavar fundo num único ponto pode revelar ao fim um solo seco, donde não se conseguirá uma única porção d'água. De forma análoga, a dedicação exclusiva a um único método pode lançar o indivíduo no vazio caso descubra que os anos de prática e estudo não frutificaram verdadeiramente. E assim muitas pessoas afirmam que é na diversidade que o Princípio se revela. Eu concordaria com isso se soubesse que cada um dos métodos modernos aplacou a sede de pelo menos uma pessoa. Certamente produziram pessoas mais saudáveis, mais fortes, mais bonitas, com melhor postura física, mas deixaram a água fluir? Revelaram, ao fim, uma fonte inesgotável de água fresca? Pelo menos seus apóstolos mataram a sede? O que aquele método produziu? Maestria cobiçosa ou verdadeiro aplacamento da sede?
link da imagem
Comentários
Muito bom refletir sobre isso, coincidiu exatamente com o que eu li ontem : (...) alguém que escava em busca de uma nascente que jorra; não basta falar de nascente, não basta falar de água, é também necessário escavar seu poço, avançar em direção à água viva que está no fundo, assim como em direção à água viva que jorra. Não basta escavar para que apareça a água viva , mas o fato de escavar irá permitir que reencontre a água viva que jorre. Jean Yves Leloup
Não creio que ele esteja se referindo somente à importancia de cavar fundo num único ponto. Aliás, isto não é o mesmo que seguir um método? Assim como Simone Weil, para quem a atenção é uma forma alta de generosidade" ( A atenção em Simone Weil. São Paulo: Psicol. USP, vol. 14, 2003 ), ele parece falar em doação. Nesse sentido, sua critica não vai em sentido contrário? Certamente, é necessário advertir, mas, por exemplo, se entendemos esse "único ponto" como o bem, não está certo dizer que é na diversidade que o Princípio se revela?
Abraços.
Chris, relendo o que voce escreveu, assim como o meu comentario, fiquei com a impressao de ter deixado tudo mais confuso ainda. Na verdade, o que questiono e o seguinte: se somos uma parte que deve imitar o todo, como os misticos ensinam, entao nao esta certo dizer que e na diversidade que o Principio se revela?
Aprofundar-se, estar plenamente atento ou doar-se sao coisas essenciais para todo progresso, sem duvida. Em relacao ao yoga,entao, voce recomenda cautela: nao se deixar levar pelo turbilhao, mesmo que hajam beneficios. Isso ficou confuso, ainda mais porque voce adverte contra os metodos modernos. A questao nao e mais o aprofundamento, mas qual metodo seguir, ou em quem acreditar. Qual e o criterio, entao? Quais metodos ou professores que fornecem agua? E como nao buscar agua em outros lugares se for necessario, se o metodo for moderno?! E quais seriam estes? Iyengar yoga? satwa yoga?
O que contesto aqui, porque confunde, e a falta de reconhecimento de que tais criticas sao superficiais tambem, alem de confundir nao remetem em nada ao ensinamento do yoga, nao trazem vantagem alguma, ou seja, nao aprofundam.
Mas entendo o seu ponto, quer dizer, imagino onde voce quer chegar. Talvez voce concorde com os mestres que, estando cientes de que a pratica pode fortalecer as defesas, insistem em ensinar os yamas e nyamas antes de mais nada.
Entao, Yamas e Nyamas ja!
Abracos
Na verdade concordo com os mestres que têm a rara capacidade de explicar por que yamas e niyamas estão no princípio -- o que, evidentemente, depende de se conhecer o fim da busca.
Abraço!