
Lembro-me de quando comecei a estudar yoga. Àquela época busquei um curso de formação. Como não havia nenhum curso ou escola na cidade onde vivia, a Internet trouxe algumas opções. Sem saber como escolher, pautei-me por critérios muito pessoais: o local, o preço, o conteúdo (ou aquilo que eu julgava ser um bom conteúdo). No geral, continuava sem saber exatamente como escolher um bom curso e um bom orientador.
Ainda no início dessa busca tive a sorte de encontrar uma pessoa generosa o suficiente para me indicar algumas direções. Com isso os critérios se tornaram menos pessoais e mais afinados com aquilo que deve ser uma boa formação de yoga. Logicamente, preço e localização continuaram pesando, mas tive mais clareza sobre qual deveria ser o conteúdo de um curso de formação de yoga.
O leitor poderá imaginar que essa pessoa tinha interesses particulares em me indicar algumas direções e me desviar de outras e que, portanto, era natural que agisse como agiu -- principalmente porque se tratava de um professor de yoga que, depois, se tornou meu guru. Contudo, o que diferencia o guru integralmente devotado ao ensino do yoga do professor em busca de mais alunos para seu curso é justamente a forma como certas recomendações são passadas. Meu guru -- que na ocasião ainda não era meu guru -- não me entregou um panfleto; ao contrário, me mostrou conteúdos, indicou cursos (bons e maus exemplos) e permitiu que eu os comparasse.
Um dos conteúdos que analisei -- curso famoso cujo nome não citarei aqui -- incluía aulas de xamanismo, de astrologia e de budismo na formação de yoga. Um outro curso oferecia uma carga gigantesca de anatomia e fisiologia, bem como estudos exaustivos sobre asanas e alinhamentos posturais -- e muito pouco além disso.
Embora fosse leigo, tinha para mim que o yoga era bem mais do que esses cursos pretendiam transmitir. As indicações passadas por meu guru reforçaram essa idéia. Entre estas indicações havia também textos clássicos -- os shastras, as escrituras do yoga --, que, embora não definam com muita clareza o que o yoga é (pelas habituais obscuridades da linguagem usada nesses textos), ao menos deixam claro o que o yoga não deve ser. Por exemplo, qualquer estudante sério ficará surpreso ao comparar a carga excessiva de anatomia dos métodos e cursos modernos com a simplicidade com que as questões anatômicas eram tratadas nas escrituras antigas e pelos nathas (os fundadores do Hatha Yoga).
Embora se encontrem na tradição do yoga referências a elementos que estão presentes em outras tradições, o yoga não é xamanismo, não é zen budismo, não é medicina, não é cromoterapia, não é culinária, não é auto-ajuda. Yoga não é nada além de yoga. Isto parece não impedir a organização de cursos cujo corpo docente é composto de monges zen-budistas, xamãs, psicólogos, educadores físicos, médicos, astrólogos e terapeutas de diversas linhas -- cursos estes dedicados mormente a formar instrutores de asanas e terapeutas.
Apesar disso, notei que alguns poucos cursos de yoga ainda são organizados e mantidos por yogins genuínos e se dedicam a formar yogins. Respirei aliviado.
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Como já afirmei em outros textos, nenhum problema há em adicionar elementos exóticos ao yoga, desde que se saiba até que ponto esses elementos são yoga e se tenha clareza dos benefícios desses aditivos. Por exemplo, o detalhismo técnico e anatômico do método Iyengar trouxe um grande benefício para a prática de alguns asanas. Os problemas começam a surgir quando o praticante passa a acreditar que esse detalhismo é o objetivo do yoga e que a prática se resume à perfeição na execução de asanas.
Existem vários exemplos desse tipo. Quase todos os métodos e cursos modernos colaboram em alguma medida na tarefa ingrata de confundir as pessoas quando elas fazem perguntas simples e importantes como «o que é yoga?». O primeiro passo para responder esta pergunta é abandonar as respostas cíclicas e admitir que yoga é apenas yoga. Fica mais fácil, a partir daí, analisar o conteúdo dos cursos de yoga. Duas coisas ficarão evidentes:
1) Estes cursos não são organizados para responder perguntas simples e fundamentais, mas como resposta a certas demandas modernas, tais como o posicionamento social e profissional do aspirante e o interesse crescente de leigos nos benefícios físicos de determinadas técnicas do Hatha Yoga;
2) Nestes cursos o yoga é tido como o eixo em torno do qual diversas disciplinas filosóficas e terapêuticas são estruturadas; disto é possível deduzir que i) sem estas disciplinas o yoga não é capaz de conduzir o aspirante aos resultados desejados, ou seja, sem elas o yoga não é yoga; ii) admite-se subliminarmente que todos sabem o que é yoga, embora poucas pessoas nestes cursos (professores ou aspirantes) sejam capazes de formular uma definição que prescinda dos conteúdos mesmos destes cursos, isto é, atualmente a definição usual coloca o yoga como a soma dos tópicos de um curso de formação.
À medida que mais e mais pessoas formam-se nesses cursos, o yoga é transmitido em escolas e aulas regulares com base nos critérios e elementos expressos nos dois itens colocados acima e cada vez mais se consolida a idéia de que ser um yogin é o mesmo que ser instrutor de asanas e de meditação e que o yoga é uma disciplina em que se estudam certos aspectos da saúde física, mental e emocional do ser humano -- com a ajuda da psicologia e da medicina moderna, do budismo, de rituais xamânicos, do veganismo e das mais recentes técnicas de auto-ajuda e auto-terapia. E assim o yoga, apenas yoga, torna-se cada vez mais raro, cada vez menos compreendido, cada vez menos estudado.
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