O ensino e a formação de yoga e a simples existência do yoga como atividade profissional guardam em si mesmos uma contradição significativa: se entre os propósitos do yoga há o autoconhecimento e a auto-realização, deslocar a energia para fora com a dedicação a aulas, cursos e atividades profissionais (que por definição precisam render algum dinheiro) é um passo importante rumo ao erro e ao desvio (sobre isto, aliás, vale a pena rever este texto). Não obstante, são estes formatos, coletivos e massificados, que prevalecem sobre o formato antigo, centrado na relação direta entre mestre (guru) e discípulo (chela).
Mesmo que o estudante de yoga tenha a sorte de encontrar um guru e estabelecer com ele uma relação sólida e dele absorver a tradição do yoga, é natural que o início de sua trajetória inclua aulas em grupos e cursos de formação.
Àqueles mais interessados em yoga, a passagem das aulas em grupo para os cursos de formação é bastante natural. Contudo, naturalidade não significa qualidade: saber o que se quer não implica que o que você considera ser uma boa resposta à sua demanda de fato o seja. Isto ocorre porque quando o estudante procura um curso de formação ele já tem alguma idéia sobre os conteúdos deste curso, idéia esta que só terá consistência depois de concluída a formação. Assim, à maneira daquele famoso conto zen, não existe «xícara vazia». No início, é com a xícara cheia que o estudande tentará beber chá novo; para o estudante, um curso de formação não é chá novo, mas a continuação de algo que ele já vinha fazendo. E, afinal, metáforas são metáforas e a mente não é uma xícara.
Assim, um curso de formação é (ou deveria ser) a seqüência natural de um período significativo de dedicação à prática e ao estudo do yoga. O praticante procura uma formação e busca um guru porque percebe que precisa de algo além daquilo que encontra nas práticas regulares.
A partir daqui eu poderia começar uma longa e cansativa discussão sobre o que é uma aula de yoga hoje e o que é o equivalente disso em tradições sérias, que remontam à Índia medieval. As diferenças são tão evidentes, mesmo para quem não faz parte de nenhuma dessas tradições, que é desnecessário discuti-las. Basta saber que antigamente não havia «cursos de formação» e que os professores mais famosos das últimas cinco décadas, como Iyengar, Pattabhi Jois e Sivananda, não fizeram cursos de formação e não têm diplomas ou certificados.
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Se o leitor chegou aqui na esperança de encontrar recomendações de cursos de formação e de aprofundamento, provavelmente ficará desapontado por não encontrar qualquer indicação objetiva. Mas posso recomendar alguns elementos, idéias e reflexões que sem dúvida ajudarão a escolher um curso.
1) O primeiro passo é avaliar consigo mesmo os seus propósitos. O que você quer para si como yogin? O que é o yoga para você? Aonde você pretende chegar?
2) Questione-se da mesma forma em relação aos cursos de formação. O que você espera obter de um curso de formação? O curso que você pretende fazer lhe dará algo que você não poderia obter de outra forma, talvez como autodidata? Você está buscando formação ou certificação (titulação)? Você está buscando formação ou uma carreira? (se você não vê diferenças entre estas coisas, preocupe-se)
3) Suponhamos que você busque as duas coisas -- formação e certificação (titulação) --, pelo simples fato de que no mundo de hoje as pessoas valorizam as duas coisas: o que você sabe e a origem daquilo que você sabe. Neste caso, é evidente que o que você pretende é tornar-se professor (ou professora) e dar aulas. Mesmo que seus interesses sejam estritamente profissionais, as perguntas já propostas continuam valendo: o que você quer para si como professor? O que você pretende oferecer às pessoas como professor? Que tipo de professor você quer ser?
Se você se fez estas perguntas e as respondeu com sinceridade, não terá dificuldades para escolher um curso, para dedicar-se a ele e para formar-se adequadamente e, afinal, tornar-se um bom professor. Também não terá dificuldades para distinguir entre o curso A, B ou C e saber qual será mais adequado para você.
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Há um curso brasileiro famoso que inclui em seu programa aulas sobre Zen Budismo, Taoísmo e Hesicasmo (meditação cristã). É evidente que estas tradições são boas e merecem ser estudadas, mas talvez não num curso que tem como propósito ensinar yoga. Cada coisa em seu lugar e em seu tempo, inclusive para que o estudante saiba o que é uma coisa e o que é outra coisa.
Há cursos com ênfase em anatomia e fisiologia, como se o objetivo do yoga consistisse em realizar posturas corporais e obter saúde física ou como se o yoga fosse uma espécie de fisioterapia com temperos hinduístas.
Há ainda cursos que privilegiam a egrégora (o que hoje alguns chamariam de «panelinha»), banindo todo conhecimento que não seja aprovado pelo líder, como se houvesse conhecimento genuíno em torres de marfim e como se o objetivo do estudo do yoga fosse o gregarismo ou qualquer outra coisa social (v. terceiro item deste texto).
É evidente que o fato de eu desaprovar cursos destes tipos não quer dizer muita coisa. O que realmente acho importante é que o leitor saiba distinguir estes tipos todos e saiba o que quer. Talvez você queira mesmo ser uma espécie de fisioterapeuta hinduísta. Apenas tenha certeza disto. Diz o ditado que quando não se sabe para onde se vai, qualquer caminho serve. Eu costumo pensar de forma diferente: quando não se sabe o para onde se vai, é fácil andar em círculos e nunca chegar a lugar algum.
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