Para melhor compreender os parágrafos a seguir, lave as mãos e lembre-se de três coisas importantes:
1) «Objetivo» e «efeito» são coisas diferentes -- e isto não é apenas epistemologia;
2) O que define um objeto é o objetivo proposto (geralmente por quem o criou) para esse objeto e como ele efetivamente funciona quando usado tendo em vista esse objetivo;
3) Um dos propósitos do yoga é levar o indivíduo além da relação entre causa e efeito.
Dito isto, prossigamos.
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Yoga não é ginástica -- As técnicas corporais do yoga não são apenas corporais. O que quer que se faça no yoga, mesmo que privilegie aspectos musculares e articulares, exige também o uso da mente e da respiração. Na verdade, o uso da expressão «técnica corporal» é inadequado, trata-se tão-somente de um artifício didático. Tudo isto é bastante óbvio porque não há corpo separado da mente e mente separada do corpo. O problema é que a linguagem nem sempre dá conta de representar totalidades como aquela que define o ser humano.
Yoga não é medicina alternativa, prevenção, remédio ou tratamento de saúde -- O fato das técnicas do yoga em muitos casos funcionarem bem para curar ou prevenir doenças não significa que sejam estes os objetivos da prática. É como usar um livro como peso de papel ou como calço para uma mesa manca -- funciona bem nos dois casos, mas a função real do livro é outra. O uso consagrado não se sobrepõe ao uso original, tampouco justifica os erros de interpretação sobre as finalidades de determinados objetos e práticas. Dito de outro modo, se muitas pessoas usassem livros como peso de papel ou como calço de mesas mancas, isto apenas mostraria a quantas anda a compreensão que essas pessoas têm sobre os livros.
Yoga não é terapia, não é auto-ajuda, não é coaching e não é método motivacional -- O bem-estar, a sensação vitoriosa e a autoconfiança decorrentes da prática diligente das técnicas do yoga são efeitos, não objetivos. Yogaterapia é um tipo de terapia, não um tipo de yoga. O yoga tem sido usado com relativo êxito para combater a depressão e outros males psicológicos, mas o uso consagrado é o menos importante dos itens que definem o yoga.
Repetindo:
-- yoga não é ginástica
-- yoga não é medicina alternativa
-- yoga não é terapia
Você pode usar yoga como ginástica, como medicina alternativa e como terapia? É claro que pode. Você é livre para usar o yoga como quiser. Apenas, nestas condições, é bom lembrar de duas coisas:
1) chamar a sua prática de yoga dependerá de coisas que não têm relação com os efeitos dos usos «ginástico», medicinal ou terapêutico.
2) geralmente a adoção da ênfase «ginástica», medicinal ou terapêutica é suficiente para fazer com que a prática deixe de ser yoga.
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A partir daqui podemos perguntar: o que é yoga? Quando são anuladas as respostas palpáveis (ginástica, medicina, terapia), vêm à mente respostas bastante estranhas como
Yoga é um caminho espiritual.
Eu não sei o que é espírito, você também não sabe o que é espírito. Estar vivo, por definição, é não ter acesso às «coisas do outro mundo» senão através de lampejos -- nossa «antena» só sintoniza canais cheios de chuvisco, em preto e branco; raramente surge uma imagem completa, em cores. Logo, não é possível afirmar que o espírito segue um caminho ou que ele se desloca ou que ele vai para algum lugar ou, ainda, que é possível ir em sua direção, como se eu estivesse aqui e o espírito lá. Decerto não é possível negar nada disso também. O que quero dizer é que não sabemos nada, logo não é possível afirmar nada com aquela dose mínima de segurança e seriedade necessária para seguir adiante num raciocínio ou estudo qualquer.
O mesmo vale para a afirmação «yoga é uma disciplina espiritual». Nestes dois casos, em que o predicado é a espiritualidade, a afirmação parece fazer muito sentido, mas quando lembramos que «o Tao que pode ser pronunciado não é o Tao verdadeiro» (Lao Tzu), então vemos que definições que se apóiam na espiritualidade não passam de tautologia.
Há quem diga que
Yoga é uma ciência.
A mim parece evidente que quem diz isso se refere à ciência moderna, estabelecida por Newton, Copérnico e Galileu, entre outros. Se lembrarmos que o que caracteriza a ciência moderna é o recorte da realidade e a distinção clara entre sujeito e objeto, veremos que não há menor possibilidade do yoga ser uma ciência, embora alguns aspectos muito específicos possam ser estudados como tal em circunstâncias e por períodos muito específicos.
O yoga não estuda músculos, articulações, glândulas, a psique e outros objetos comuns às ciências ocidentais. Você entendeu que era assim? Pena.
Outra resposta, não menos estranha e bastante ambígua é
Yoga é união.
Esta resposta é tão genérica e desprovida de significado prático que não merece ser comentada. Mas se o leitor quiser ler algo sobre isto, veja este post.
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Na verdade, encontrar uma resposta precisa é menos importante do que excluir aquelas que definitivamente não ajudam nessa tarefa, como as indicadas acima. Neste particular, pauto-me mais uma vez em Nisargadatta Maharaj:
P: Eu necessito de uma resposta à vida, não só inteligente, mas também muito rápida. Não poderá ser rápida a menos que seja perfeitamente espontânea. Como alcançar tal espontaneidade?
M: O espelho nada pode fazer para atrair o sol. Só pode manter-se limpo. Logo que a mente estiver pronta, o sol brilhará nela.
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