Seis perguntas para professores

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Observação: nas questões a seguir, «o seu yoga» é aquilo que você faz nas suas práticas e aquilo que você ensina aos seus alunos. E, por favor, entendam que as perguntas aqui propostas não são retóricas. Eu realmente gostaria de conhecer as suas respostas. Sirvam-se da área de comentários ou, se preferirem, contatem-me via email. Respostas anônimas também serão aceitas. Vamos lá.

1) O seu yoga é uma «tradição milenar»?

Comentário: se sua tradição milenar começou em 1960, ela não é nem tradicional, muito menos milenar. Se ela realmente começou mil anos atrás, você saberá mostrar a linha que conecta os criadores e os conteúdos originais dessa tradição milenar aos dias de hoje, isto é, a você mesmo. Então mostre.

2) Qual a relação entre o seu yoga e os ensinamentos de Patañjali?

Comentário: Patañjali ensinou «o que é», não «como se faz». Logo, se você diz que o seu yoga é exatamente o que Patañjali ensina, então na melhor das hipóteses você foi enganado -- mas o mais provável mesmo é que você esteja mentindo para dar uma aura de tradicionalismo e seriedade ao produto que você tem para vender. Se a sua resposta é «nenhuma», então...

3) Supondo que sua resposta à pergunta anterior tenha sido algo como «meu yoga é inspirado na essência dos ensinamentos de Patañjali», o que é bem possível e comum e até mesmo correto, responda:
a) Como o seu yoga realiza a «interrupção das oscilações mentais»?
b) Qual a origem e o objetivo das dezenas ou centenas de asanas que compõem o seu yoga? (se a pergunta for ampla demais, escolha três asanas que você considera «difíceis» e fale deles)


Comentário: lamentavelmente, existem professores que não meditam e que não ensinam meditação; ou, ainda, que ignoram partes importantes do yoga, enfatizando os aspectos mais básicos da prática, como as técnicas corporais. A justificativa mais comum também é a mais curiosa: é necessário dar às pessoas aquilo que elas procuram. É mesmo, lindão? E como elas vão saber se o que procuram é esse pseudo-yoga ou nirodha se a maioria dos professores mal sabe o que é nirodha para eles próprios?

4) Para você, o que é a filosofia do yoga?

Comentário: você já ouviu falar da filosofia do hathayoga? Não, né? Você faz apenas asana e pranayama e crê que a «filosofia do yoga» é o vedanta. Se você é do tipo alucinado por buscas espirituais, talvez vá além e recorra à doutrina budista, aos koans e parábolas zen budistas, aos rituais xamânicos e beberagens de ayahuasca, às técnicas new age e aos livros de auto-ajuda. É provável também que recorra a todas estas coisas ao mesmo tempo, fazendo uma confusão dos diabos que, é claro, será transmitida aos seus alunos como a «filosofia do yoga» ou como prova de que o hathayoga não possui filosofia. Se os seus alunos lhe pagam por isso, lamento dizer que isto configura estelionato e falsidade ideológica, no mínimo.

5) Quando você decidiu ser professor de yoga, disseram-lhe que isto viria antes ou depois de ser um yogi? Ou simplesmente não lhe falaram nada sobre ser um yogi?

Comentário: eis a cagada da maioria das discussões que começam com «o yoga como carreira». Um professor de yoga tem alunos e pagadores de mensalidades. Um yogi tem discípulos, que, se forem, sérios, são também futuros yogis. «O yoga como carreira» é expressão que estabelece uma ordem clara de valores; no topo está o êxito em vender o seu yoga. O «magistério yogi» serve para criar novos yogis, não mais professores.

6) Se você é professor do método Iyengar, de Ashtanga Vinyasa Yoga, de Vinyasa Flow Yoga ou de qualquer «método de yoga» criado nos últimos 40 anos, me diga: por que você não ensina meditação nas suas aulas?

Comentário: até hoje não encontrei nenhum professor disposto (corajoso? digno?) o suficiente para falar disso em público. É quase certo que esta pergunta não obterá nenhuma resposta, então respondo eu: professores dos «métodos modernos» não ensinam meditação porque não sabem o que é meditação, não meditam e não têm interesse em meditar. No máximo ligam-se a algum grupo budista para aprender «meditação» e estudam vedanta para aprender «filosofia», porque crêem que o hathayoga é a «parte física» do yoga, como se no yoga a meditação só pudesse existir como um «add-on», um «plus».

Comentários

Maurizzio Canali disse…
Hari Om!

Excelentes colocações. Eu as teria feito com uma abordagem um pouco diferente, mas essencialmente concordo com suas colocações, e já fiz muitas destas perguntas a "professores", que estranhamente para mim, conseguem fazer do yoga profissão sem se tornarem yogis, sem ter o yoga como uma filosofia de vida e sem se preocuparem em despertar esta chama no coração de seus alunos, que naturalmente, deveriam se tornar chelas, aprendizes, buscadores.

Namo Narayan!

MAURIZZIO::
(Vira)
Parabéns!
Yoga e Consciência leva a moksha (liberação) de nossos vritis :)
Thiago Goulart disse…
Parte 1 de 2 -
Contradição sua (do autor do artigo) em dizer que “gostaria realmente de conhecer nossas respostas”, ou ainda que “as perguntas aqui propostas não são retóricas” quando, através do teor dos seus ”sáttvicos” comentários (usei entre aspas, pois notei que você utilizou muito o entre aspas para, em algumas passagens, esculachar e ser ainda mais cáustico com outros métodos), você não deixou espaço para outros sequer responderem, pré-julgando praticamente todos como indignos e covardes, o que faz com que muita gente nem queira entrar neste tipo de debate, e daí vem a lei preconizada pelo velho ditado: quem cala consente... Pressuponho que você também já tenha todas as respostas, portanto, entaõ classifico suas perguntas como retóricas sim. Vamos á sua tese, por favor...
Ah perdão, acho que vou me intrometer na sua tese, pois tenho minha dignidade e atenção presentes, mais uma pitada de coragem, principalmente com o objetivo de dedicar esta “defesa” a meus professores e os diversos métodos que pratiquei. A maioria deles baseada no legado de Krishnamacharya, Pattabhi Jois, Indra Devi, Desikachar e Iyengar, sendo que Krishnamacharya, Iyengar e Pattabhi Jois foram classificados de “os três patetas” por um conhecido professor de yoga, com mestre mais conhecido ainda, que certamente não viu este tipo de atitude de seu discípulo, pois se tivesse um pouco mais de discernimento, daria um puxão de orelhas na atitude grosseira e desonrosa deste discípulo. O agravante é que tanto um quanto o outro utilizam as técnicas preconizadas por Pattabhi, Iyengar e Krishnamacharya, o que me parece uma atitude de “cuspir no prato que come”.
Sinceramente, vejo muitos pontos positivos em seu artigo, no esclarecimento do público leigo em estarem atentos em saber distinguir um trabalho sério em algo tão poderoso quanto yoga, mas ainda quero entender o preconceito e perseguição aos métodos de yoga ensinado por Iyengar e o Ashtanga vinyasa Yoga. Responda por favor, qual é a implicância? Qual o motivo da cisma?
Acredito, como professor de Yoga, que, assim como existem muitos caminhos para se chegar a Deus, por exemplo, não há apenas um caminho cristalizado e regido por uma figura em um pedestal, uma verdade que se adapte a todos. Esta crença leva ainda hoje os seres humanos a se matarem uns aos outros.
Uma fé cega que, ao invés de levar ao objetivo maior, o escalar a montanha em direção ao mais alto (seja este ápice conhecido como Brahma, Purusha, Atman, Shiva, Jesus, Buda, Maomé, Samadhi, etc.), como todos os outros que já iniciaram sua escalada por diferentes caminhos, faz com que aqueles que, em sua pretensão de donos da verdade, circundem-na (a montanha, claro) gritando desesperadamente aos “ignorantes” que estes estão completamente enganados.
O Yoga também tomou estas múltiplas formas, há apenas um Yoga, mas diversos caminhos. Patanjali deixou um nobre legado, inclusive estabelecendo que siddhis, os poderes, além de serem inerentes, podem ser obtidos através do uso de mantras, purificações (kriyas) e de plantas* (ayahuasca em ritual xamânico, talvez?). *Yoga Sutra IV.1 Janmaushadhi-mantra-tapah-samádhijáh siddhayah (Samádhi Já, Agora!)
Mas não confundam os meios com o objetivo maior, que é a consciência livre de automatismos, yogaschitta vrtinirodhah, inclusive de substâncias, mesmo sendo estas as mais naturais possíveis.
Pelo que entendo no que é ensinado pelo shivaísmo, Shiva é o próprio guru, e pode se apresentar de diversas formas, por um livro, uma pessoa, encarna diversas formas para nos mostrar o caminho do coração, e Shiva já está em nossos corações, devemos aprender a escutá-lo, esta voz interior onde reside plenitude e sabedoria. Livros são secundários.
continua na parte 2...
Thiago Goulart disse…
parte 2 de 2 -
Entendam que a forma como escrevi estes parágrafos são de indignação, como podem claramente perceber, e este tipo de texto escrito pelo autor das seis perguntas se contradiz um pouco com a universalidade ensinada por Patanjali. Em asana, por exemplo, que acredito ser a base de grande parte deste artigo, fica clara a reivindicação do autor em querer estabelecer a maior autenticidade e originalidade da prática de hatha yoga em sua tradição, mas analisando o sutra II.46 sthirasukhamasanam, dá pra perceber que Patanjali denotou duas qualidades para o despertar, o desfrutar da liberdade (moksha) e aprofundamento e estabilização da consciência (yogaschittavrittinirodhah) através das posturas físicas, que são firmeza, solidez (sthira) e conforto, felicidade(sukha), logo, as milhares de formas que estas podem tomar são secundárias, simplesmente não importa. É claro, há um legado a preservar, e muitos o fazem, como o autor do artigo, e isso é muito honroso aos seus mestres e toda esta tradição milenar. Mas não apenas ele, outros também. A tradição deve se adaptar aos novos tempos, com grandes ressalvas, óbvio, para não deturpar ou corromper o ensinamento. Na sabedoria iluminada de Patanjali, havia esta percepção de que a vida é movimento, como a dança de Shiva, e dependendo da época em que este sutra seria lido, manteria a liberdade do ser humano, que era o propósito maior de Patanjali ao compilar estas pérolas em forma de palavras, mas a condição sine qua non de manter a firmeza e a estabilidade.
Espero ter esclarecido meu ponto de vista, estudante de Yoga e grão de areia que sou neste campo/Universo do Yoga. Não sou de nenhuma tradição formal, apenas sinto que faço parte da grande família do Yoga, e como uma família, esta se reúne, canta e dança. E mantém o respeito, pois cada um de nós é único e tem seu papel no todo maior. Se não existe respeito mútuo, a energia fica impedida de circular livremente. Respeito á vida e sua bela diversidade. A diversidade é que faz a vida ser bela! Imaginem se eu chegasse aqui querendo convencer a todos de que ashtanga vinyasa yoga é A PRÁTICA, como alguns fazem, infelizmente, e apenas houvesse esta opção de Sadhana. Seria bem chato hein? E outros problemas teriam, certamente... As monoculturas enfraquecem o solo, coisas sábias que se aprende com agricultura. A analogia válida aqui é de imaginar um mundo com apenas um tipo de flor. Paro aqui, pois o pensamento pode ir longe...
Tive a benção de poder transformar muita coisa e minha vida pelo que aprendi, muitas vezes em livros. E assim pretendo continuar, certamente até o fim de meus dias sobre esta terra, estudando, praticando e ensinando o que me foi passado. E espero que não peguem mal o tom utilizado, apenas um eco das vibrações que sinto terem a mim sido enviadas. Que ahimsa permeie nossas ações e pensamentos, como ensinado por Patanjali em seus yama e niyama, mas mantenhamos a atitude do guerreiro, qualidades eternizadas por posturas como Virabhadrasana, Marichiasana, e captando a essência de mestres como Matsyendra e Goraksha através dos asanas que podemos ter a honra de conhecer, Matsyendrasana, Gorakshasana... e outros, a lista é extensa, a conexão, yoga, pode ser feita através deste belo e eterno legado... E assim é que sinto ser a essência do hatha yoga, mesmo eu não sendo parte da linhagem direta e milenar de Goraksha ou Matsyendra, sinto que posso acessar este campo e suas grandes potencialidades através do que aprendi com meus professores, por mais humildes que estes sejam.
Saudações aos que mantém a fé e regularidade em suas práticas, mantendo a atenção ao que é real, com o espírito tranquilo, certos de que já estão a caminho.
E muito obrigado aos mestres que mantém a tenacidade de ensinar o que lhes foi ensinado, se adaptando ás mudanças da vida á sua volta.
Om shanti shanti shanti!
Christian Rocha disse…
Obrigado pelo comentário, caro yogi.
Christian Rocha disse…
Obrigado pelo comentário, caro Maurizzio.
Christian Rocha disse…
Thiago,

primeiramente, obrigado pelos comentários extensos. Perdoe se causei desconforto ou se o ofendi de alguma forma. Tenho algumas respostas, sim, que vieram através de estudo e pesquisa. Mas talvez você saiba de algo diferente e possa indicar algum erro meu. Foi basicamente por isso que expus estas perguntas em meu site. Vamos lá.

Você começa seu longo comentário demonstrando grande indignação pela forma como me refiro a Krishnamacharya e seus discípulos e aos diversos métodos que você praticou. Métodos de quê, Thiago? De yoga?

Se você realmente conhece o legado de Krishnamacharya, deve saber que esse legado tem mais a ver com ginástica e arte marcial do que com yoga. Isto está registrado em pelo menos duas fontes sérias (sérias a respeito da história do "yoga moderno"). Uma destas fontes é a entrevista concedida por Iyengar para o documentário "Enlighten Up!". Outra fonte é o livro "Yoga Body", de Mark Singleton. Se você não viu essa entrevista com Iyengar e não leu esse livro, recomendo que o faça.

O que você considera "preconceito e perseguição" é na realidade fruto de estudo e pesquisa. Seria preconceito e perseguição se eu tivesse tirado conclusões da minha cabeça, por alguma antipatia ou indisposição emocional. Realmente não se trata disso. Trata-se dar o nome "yoga" a coisas que realmente são yoga. Acredito que já demonstrei isso em artigos meus, mas as duas referências indicadas também demonstram que o método Iyengar e o Ashtanga Vinyasa Yoga não são yoga de forma alguma.

Também acredito que há diversos caminhos que levam a Deus, mas estamos falando de yoga e para isso é necessário ter um ponto de partida e parâmetros. O meu ponto de partida e os meus parâmetros são as definições normais de yoga: os Yogasutras, os Upanishads, os Hathayoga shastras -- não porque são "livros", mas porque realmente são a expressão de um legado digno deste nome.

Sobre “cuspir no prato que come”, você se refere a mim e a meu professor? Isto não faz o menor sentido.

Na parte 2 do seu comentário tenho a impressão de que você toma o texto de Patañjali de forma literal e descontextualizada. Se você considerar os Yogasutras da mesma forma que considera livros modernos, é natural que pense que os YS eram um manual de yoga e que Patañjali ensinava um "yoga universal", livre e intuitivo. Isto também não faz o menor sentido. É evidente que os YS não são uma obra como é "Light on Yoga", de B. K. S. Iyengar., ou como os livros de De Rose ou Hermógenes. Embora pouco se saiba sobre Patañjali, é necessário considerar a hipótese de que se tratava de alguém formalmente inserido numa tradição. Desta hipótese pode-se deduzir outra, também razoável, de que os YS são literatura para iniciados, não para iniciantes leigos, isto é, os YS não são um manual comum, mas um complemento aos ensinamentos que eram transmitidos da forma tradicional, de guru a chela.

Entendo que seu interesse maior é manter uma atitude despojada e espontânea em relação ao yoga, mas, da forma como compreendo, isto só é possível depois que assimilamos a tradição tal como ela tem sido perpetuada há mais de 2 mil anos. Se o yoga é para você a expressão dos ensinamentos de Patañjali, Matsyendra e Goraksha, que tal conhecer exatamente o que eles ensinavam e submeter as lições de Iyengar, Jois e Krishnamacharya às lições daqueles mestres? Como é possível praticar yoga realmente sem conhecer essa genealogia, acreditando que os três modernos são os legítimos representantes dessa tradição milenar, sem questionar as verdadeiras origens do que eles ensinam?

Namaskar.
Christian Rocha disse…
A propósito, Thiago, esteja à vontade para responder as perguntas que fiz no post. Sinceramente, gostaria de obter respostas.

Obrigado. Namaskar.
Unknown disse…
Prezados,
Tenho estudado e buscado respostas para o yoga no ocidente. Recomendo os livros publicados por Kaivalyadhama, são edições comentadas feitas com esmero, edições dos clássicos. Respeito o Vedanta, mas não o acho ligado ao Yoga Tradicional. Penso que o que há de mais próximo é o Samkhya, refiro-me ao verdadeiro Samkhya, e não aquele posterior que é parte do Vedanta. Quando digo mais próximo, é porque me parecem existir raízes comuns no Yoga e no Samkhya. Nos YS, quando fala-se em Ishvara, e que seu nome é OM, entendo que a repetição do mantra não é uma invocação religiosa (nos moldes arianos; incluíndo o védico) e sim uma prática que visa dar forma aos chitta vritti (perdão pela minha transliteração dos termos em sanscrito, não domino, aprendi em devanagari). Não sou o gênio que chegou a esta conclusão, está na edição comentada dos YS, de Kaivalyadhama, recomendo muitíssimo esta edição. Minha posição pessoal é que ao buscar a tradição estamos fazendo um resgate, pois a mesma foi interrompida, entrecortada por outras práticas e principalmente por outras ideologias. Quanto ao comentário sobre Iyengar, não posso negar que o mesmo tem uma experiência incrível dos asanas, e dá dicas preciosas, acho que o autor das seis perguntas está sendo rigoroso demais com o Iyengar. Mas reitero que o melhor caminho é o estudo dos textos antigos. Yoga não é religião, é a exposição de um conhecimento acerca do ser humano e da realidade que ultrapassa em muito o conhecimento ocidental contemporâneo. Nos YS, dentre outras informações, temos uma descrição das estruturas "mentais" que vão muito além de tudo que a nossa psicologia alcançou, iclusive a relação da psiquê com a "realidade".
Um abraço a todos.
Rodolfo Treitel Paschoal, do Rio de Janeiro. rodolfotp@hotmail.com
Christian Rocha disse…
Obrigado por seu comentário e por suas dicas, Rodolfo.
Daniela S. disse…
Namastê!

Julgo importante começar dizendo que não me auto-denomino professora de yoga, mas instrutora, ou simplesmente aprendiz, praticante.
Vou tentar responder as perguntas do Christian:
1) Tenho muitos amigos que já tiveram algum contato prático com o Yoga. Contudo percebo que mesmo aqueles que já leram sobre o assunto, não entendem o Yoga como uma prática psicofísica. Por isso, muita gente próxima me pergunta qual a diferença de Yoga e alongamento, por exemplo. Geralmente tenho bastante dificuldade de responder a esta pergunta.
2) Minha mãe pratica sua Yoga, tal como uma bebê a pratica. Ela não questiona, ela não responde. Ela apenas pratica e é uma yogi bastante mais disciplinada que eu, embora seja quase completamente intuitiva e instintiva. Segundo a medicina alopática, minha mãe tem transtorno afetivo bipolar. Segundo nossa convivência, pela minha capacidade de observação, o que ela tem realmente é uma percepção bastante profunda e bastante pessoal do mundo.
Meus familiares são leigos no assunto. Eles acham que eu pratico algo que me deixa calma. Não estão errados.
3) Os médicos? Acho que diriam que pratico alongamentos e respirações combinados com mentalizações assertivas.
4) A mídia não-especializada poderia dizer simplesmente que faço exercícios.
5) A mídia especializada diria que pratico hatha yoga.
6) O que eu realmente pratico? Uma vez ouvi dizer que há tantos "Yogas" quanto há pessoas no mundo, pois cada pessoa praticará seu Yoga. Claro, cada um pratica com seu corpo, com sua história, com seu presente e seu passado. Ainda hoje reflito sobre o significado desta afirmação.
O Yoga que pratico e estudo (descobri isso há pouco tempo) vem da tradição de Patanjali. Prepara-me para que a meditação seja fluente, assim como a respiração é fluente.
Comecei a praticar uma sequencia de ásanas (posturas) há 15 anos. Sozinha, sem instrutor, para melhorar a postura e o fôlego curto. Fiquei um bom tempo distante do Yoga e voltei às práticas frequentes há cerca de seis anos.
Não compreendo o que é meditação. Tento algumas técnicas. Tudo que consegui constatar nas minhas tentativas é que parar o turbilhão dos pensamentos pode ser tão misteriosamente difícil quanto domar um cavalo selvagem.
As substâncias que eu ingerir, a qualidade do meu sono, o lugar onde moro, minhas atividades cotidianas... interferirão imensamente na maneira como eu penso ou na maneira como desejo "parar de pensar". Assim como, o manejo simples do ritmo da minha respiração interfere no modo como organizo meu repertório emocional.
Entendo a meditação como uma espécie de lugar onde quero ir, mas onde meu corpo não consegue chegar. Por sua vez, os ásanas são capazes de levar meus pensamentos a lugares onde eles não chegariam.
Não sei se me faço entender. Não sei se respondi as questões.
Yoga é sobretudo encontro. Atrelar a carruagem, o condutor, os cavalos e a estrada.
E se não me sinto competente para dizer que sou "professora" de Yoga, embora eu conduza algumas práticas e algumas pessoas me paguem por isso, muito menos me sinto à vontade para dizer que sou yogi, embora esteja na busca.
Saudações a todos!
Paz, luz e respeito.
Christian Rocha disse…
Obrigado por seu relato e suas respostas, Daniela.
Daniela S. disse…
Christian, peço licença pois acho que cabe ainda dizer que é possível praticar Yoga sendo budista, cristão, judeu, daimista, taoista, evangélico, kardecista, marxista... ou seja lá o que for.
Entendo sua preocupação. Não é recomendável confundir buscas pessoais com uma sabedoria milenar que já estava aqui antes de nós e vai seguir existindo quando deixarmos de viver. Contudo, quando nos propomos a conhecer algo, vamos partir dos referenciais que já temos. Aprendemos algumas coisas por comparação e imitação. Um professor de Yoga, um instrutor de Yoga, um praticante, um estudante do Yoga não pode deixar tudo que o compõe, seus vrittis, seu samskaras. Não pode deixar tudo isso à parte quando vai praticar.
Acabei de fazer um curso de ética e filosofia no Yoga com a Lia Diskind.Ela recomendou leituras de estudo que possivelmente tem relação com os temas que Christian levanta nesta questão: "Yoga, imortalidade e liberdade" de Mircea Eliade e "Uma história de Deus" de Karen Armstrong.
Espero acrescentado algo na discussão.
Paz e luz!
Christian Rocha disse…
Obrigado por mais este comentário, Daniela, e pelas dicas de leituras também.

Talvez você queira dizer que é possível começar a praticar o yoga sendo budista, cristão, judeu etc. Começamos necessariamente de um ponto, com uma história, com uma base física e mental. Na verdade é impossível começar de outra forma.

Mas à medida que o indivíduo se inicia no yoga e avança nesta disciplina, é natural que esses conteúdos «caiam»; com o yoga nos tornamos capazes de perceber a medida da nossa independência ou dependência desses conteúdos.

Ainda que não os percamos realmente -- porque viver neste mundo é ter corpo, mente, crenças, idéias etc. --, eles «caem» de modo que possamos perceber a realidade através deles. O lema «não sou o corpo, não sou a mente» significa precisamente isso. Não significa se desfazer destas coisas, significa apenas colocá-las nos lugares corretos.
Unknown disse…
Christian, adorei seu texto e concordo plenamente. Eu acho absurdo também dar nome de Yoga para atividades que não são yoga...e muitos desses professores de yoga moderno maipo tem se quer conhecimento dos textos antigos. Muito obrigada por esse texto. Gostaria da autorização para repostar no meu blog com os devidos créditos, é claro.