1) Não existe «simplesmente yoga» ou «apenas yoga».
Ou, para ser mais preciso: yoga existe tanto quanto existe religião e esporte como atividades realizáveis em si mesmas. Ninguém diz «eu pratico o esporte» ou «eu pertenço à religião». Diz-se, ao invés, «eu pratico um esporte» ou «eu estou ligado a uma religião», e em seguida a pessoa dirá qual esporte ou qual religião. Com o yoga acontece o mesmo. Pode-se até dizer «eu pratico yoga». O interlocutor sensato perguntará em seguida «qual tipo de yoga?» ou, ainda melhor, «como você pratica yoga?».
2) Nem tudo que recebe o nome de yoga é yoga.
Quase todos os sistemas modernos (aqueles criados a partir de meados do séc. XIX) que usam o nome «yoga» são na verdade disciplinas corporais ou simples sistemas de ginástica ou fisioterapia inspirados em «posturas corporais do yoga». Note como as boas exceções dentro desses sistemas modernos quase sempre dependem da disposição de alguns indivíduos isolados de se desviar do sistema moderno que inicialmente lhes foi proposto e de olhar com mais atenção a tradição que precedeu esses sistemas.
3) Se tem asana, veio do hathayoga.
A raiz comum à maioria dos sistemas atuais é o hathayoga, tipo ou linha de yoga que remonta à Idade Média. Em linhas gerais, trata-se de um sistema que usa as energias corporais e sutis para chegar à prática do samadhi e para obter moksha. Porém, nem tudo que reluz é ouro: os asanas têm sido genérica e vulgarmente chamados de «posturas corporais do yoga», mas asana é outra coisa. Logo, um sistema moderno de yoga (isto é, um sistema de ginástica que usa os asanas) não os usa de verdade; no máximo são realizadas «posturas corporais do yoga» temperadas com uma atmosfera «zen» ou mística. Não é a conformação do corpo que faz de uma pessoa um yogi.
4) Uma «tradição milenar» é algo com pelo menos mil anos de idade.
Meio óbvio, não? Se o método que está sendo apresentado a você foi inventado nos anos 70, realmente não se trata de uma tradição, muito menos milenar e provavelmente também não se trata de yoga. Se a conexão entre esse método e os mestres medievais depende de um elo perdido que só existe em livros de ficção e em relatos fantásticos, temos um problema aí. Se usa acessórios que foram inventados nos anos 80 e que nunca tiveram a menor relação com as técnicas do hathayoga e se coloca ênfase na fusão com coisas que nunca tiveram relação direta com o yoga (dança, artes marciais, Budismo, Cristianismo, surfe, terapia etc.), tanto pior.
5) Yoga não tem nada a ver com flexibilidade, reuniões sociais e vegetarianismo.
Se o yoga tivesse algo a ver com estas coisas, estariam aptas à prática do yoga somente as pessoas flexíveis, sociáveis e vegetarianas ou dispostas a se desenvolver nestes sentidos. Trata-se aqui de uma confusão básica entre causa e efeito: como um dos efeitos da prática das técnicas do yoga é o aumento da flexibilidade, muitas pessoas são levadas a crer que a essência do yoga inclui a flexibilização corporal e que pessoas mais flexíveis terão maior facilidade na prática do yoga. Bobagem. O mesmo vale para qualquer aptidão corporal, tendência social ou hábito de saúde. Estas coisas podem ajudar em algum momento, mas estão muito longe de ser pré-requisitos para a prática e para o estudo do yoga.
6) Yogaterapia é terapia, não yoga.
Efeito não é o mesmo que essência ou objetivo. Sim, o yoga desenvolve a força e a flexibilidade, melhora significativamente a saúde em todos os seus aspectos, ajuda a lidar com as oscilações do humor, pode curar a depressão, pode ser usado como tratamento para doenças específicas, induz o praticante a mudança de hábitos e a largar vícios, ajuda a desenvolver no praticante algum tipo de «espiritualidade» -- a lista de benefícios comprovados é extensa. A partir destas constatações muitas pessoas concluem que o yoga é ginástica ou terapia ou religião ou auto-ajuda ou todas estas coisas ao mesmo tempo e passam a buscar no yoga não seu sentido original, mas seus efeitos. Trata-se do utilitarismo e do pragmatismo aplicados ao yoga. Mas todos estes efeitos são apenas efeitos; podem ser bons sinais de que a prática tem sido desenvolvida de uma forma correta, mas são apenas efeitos.
7) Escrituras e textos sagrados não são para iniciantes.
Situação muito comum: a pessoa começa a estudar o yoga, entusiasma-se e logo em seguida debruça-se sobre as escrituras do yoga na esperança de beber direto da fonte e aproximar-se do «yoga original». Ledo engano. Basta pensar por trinta segundos em como, por que e para quem estes textos foram escritos: são literatura para iniciados, para pessoas formalmente ligadas a certas linhagens do yoga. Logo, se você não tem um guru formalmente ligado a uma dessas linhagens, as escrituras continuarão a ser literatura de ficção para você. Elas podem até ter a aparência de manuais técnicos, mas não são. No yoga, os livros só ajudam se você dispõe de um bom professor ou, ainda melhor, de um guru.
8) «Prática» não é tudo.
O pragmatismo, como qualquer ideologia, existe para estabelecer regras. Um professor de ginástica disse certa vez, referindo-se ao yoga: pratique e tudo acontecerá. O que ele não disse é que a prática é composta por algo além da execução das técnicas: por mais corporal que uma determinada técnica seja, ninguém a realiza somente com o corpo -- a mente ali está, a respiração segue normalmente, a consciência observa as ações mentais, corporais e respiratórias etc. Logo, «prática» implica a realização de ações com todas as capacidades de que dispomos. Ler um livro, manter-se atento à respiração ao longo do dia, trocar maus pensamentos por bons pensamentos (como recomenda Patañjali), trabalhar, higienizar-se -- todas estas são formas pelas quais se pode realizar o yoga. O Atma Vichara, a prática mais elevada de todas, por exemplo, não é algo que devemos fazer, mas algo que devemos lembrar.
9) O yoga começa no samadhi.
Mesmo que não esteja apto a praticar o samadhi, todas as técnicas que precedem o samadhi só podem ser devidamente compreendidas e corretamente praticadas à luz do samadhi. A ignorância em relação a este item é uma das explicações para a profusão de sistemas que nada têm a ver com moksha e que, na melhor das hipóteses, tem dado origem a pessoas mais fortes e saudáveis, não a verdadeiros iluminados.
10) Yoga é meditação.
A expressão «yoga e meditação» sugere que estamos diante de duas coisas distintas. Quando vejo cursos e aulas divulgadas desta forma, penso: ou o professor organizador está tentando enganar os alunos ou ele próprio está mergulhado no engano. Porém, é bom lembrar que o próprio termo «meditação» é ruim e insuficiente para expressar a riqueza das práticas interiores do hathayoga. Prefira «yoga é samadhi» ou simplesmente pratique o silêncio, como meu professor sabiamente recomendava.
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Bônus:
Você certamente já viu alguma imagem como a que abre este artigo: uma pessoa diante do Taj Mahal, geralmente num dos dois bancos de mármore no entorno do espelho d'água, realizando uma «pose de yoga». Entendo que se trata de uma foto de turista, mas o que poucos sabem é que o Taj Mahal é um mausoléu muçulmano. Isto significa que um dos símbolos mais tradicionais da Índia não tem relação com o hinduísmo e, portanto, também não tem relação com o yoga. Aliás, em países de maioria muçulmana o yoga tem sido hostilizado ao ponto de cair na clandestinidade...
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