O caminho positivo


Com certa freqüência algumas pessoas cobram de mim uma atitude positiva diante do yoga. Eu sempre duvidei da importância e da necessidade de fazer isso.

Imagine que seu quarto está inundado de esgoto. A última coisa necessária é ajeitar as flores no vaso que fica ao lado da cama. A primeira, obviamente, é fechar o vazamento, para garantir que a quantidade de esgoto não aumentará. A segunda é limpar o quarto. Por fim, com o quarto limpo, pode-se providenciar um vaso e arrumar as flores como quiser. Falei um pouco disso neste artigo.

Infelizmente há muito esgoto no yoga. Poderíamos citar exemplos que vão desde o faquirismo do séc. XIX até os escândalos sexuais e fiscais envolvendo celebridades do yoga no Ocidente e até mesmo na Índia. Mas seria suficiente falar de coisas mais simples e próximas da maioria das pessoas, como o uso indevido do termo «yoga» em modalidades sem relação com o yoga ou a degeneração da sabedoria do yoga através de sua conversão em um conjunto de cacoetes de auto-ajuda.

Além disso, a atitude positiva eu costumo deixar para meus alunos -- pessoas que realmente têm interesse sincero em receber aquilo que tenho a oferecer. De um modo geral, pessoas que não estudam comigo e que me pedem «atitude positiva», o fazem porque a atitude negativa que antes lhes ofereci instabiliza suas crenças e a forma como compreendem o yoga. Discordam de mim, mas não sabem muito bem por quê e por isso pedem que eu fale mais, na esperança de que eu me desdiga e lhes poupe o trabalho de uma demonstração detalhada das minhas eventuais falhas.

Mas, enfim, cobram-me uma atitude positiva diante do yoga. Eis duas contribuições -- que, naturalmente, não são invenções minhas, mas constatações das lições que tenho recebido de um guru verdadeiro e que têm frutificado através do estudo da tradição.

1) Yoga começa no samadhi.  Eu já havia falado um pouco disso neste artigo recente, mas vale a pena dizer mais algumas coisas.  Saiba, por exemplo, que só uma besta quadrada pode envolver-se com uma disciplina sem querer ter a menor noção do ponto a que é possível chegar com ela.

É claro que isto não significa que qualquer pessoa começará sua trajetória no yoga praticando samadhi. Significa apenas que, por mais elementar que seja a técnica estudada, ela só será realmente útil e só conduzirá realmente o indivíduo na senda do yoga se for realizada à luz do samadhi, isto é, com a plena consciência de que toda ação conduz numa direção e que, para realmente levar à interrupção da roda do sofrimento, essa direção precisa ser o samadhi.

Um tema para reflexão: se o yoga fortalece e alonga o corpo e muitas modalidades esportivas também fortalecem e alongam o corpo, o que as difere do yoga? Não é razoável imaginar que o que realmente atraiu você para o yoga foram precisamente os atributos que o tornam diferente das modalidades esportivas? Não é adequado e justo dedicar-se com disciplina e atenção à busca desses atributos e ao aperfeiçoamento deles em sua própria vida? Não seria um desses atributos o samadhi?

2) O sentido do asana está em criar assentamento físico, mental e prânico -- atributo necessário para a prática do samyama. Quando perguntadas sobre asanas, a maioria das pessoas cita Patañjali no verso II:46, mas se esquece dos versos seguintes. A explicação inteira é a seguinte:
O assento deve ser confortável e estável [46]. Relaxe todo e qualquer esforço e medite no infinito [47]. Então toda a dualidade cessa [48].
O primeiro verso [46] alude aos atributos fundamentais dos asanas. O segundo [47] diz para que os asanas servem e é idêntico ao verso I:2: «Yoga é a completa ausência de movimentos internos». O terceiro [48] explica o que ocorre quando o asana é realizado corretamente e não passa de uma repetição do verso I:3: «Então, o Eu real manifesta-se na sua real forma de Consciência.»

Isto é suficiente para eliminar qualquer discussão em torno dos aspectos físicos e dos benefícios dos asanas. Esses aspectos e esses benefícios existem, é claro, mas a obsessão por esmiuçar tais coisas (como se vê em manuais de asanas e cursos de alinhamento de asana ou de variações divertidas para a prática dos asanas) é inversamente proporcional ao interesse genuíno por yoga.

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