por Christian Rocha
Hoje são raras as escolas que não dispõem de um curso de formação de professores. Da forma como os cursos de formação têm sido oferecidos aos alunos, é mais ou menos como se você fosse a uma clínica médica para tratar de uma inflamação na garganta e junto com o tratamento o médico lhe recomendasse matricular-se num curso de medicina.
É claro que isso é um problema por vários motivos:
2) Quando você coloca a condição social e profissional antes e acima da condição existencial, é claro que esta sairá prejudicada. E é basicamente por isso que hoje é tão raro um professor que ensine samadhi. Em compensação, há uma infinidade de bons técnicos de posturas corporais, há até bons técnicos de respiração, de relaxamento e de autoajuda. Some isso tudo: não dá meio yogin. (por favor, não reclame e não me xingue, pense no que é ser um yogin)
3) Um dos pressupostos da avalanche de cursos de formação é a idéia de que qualquer pessoa pode ensinar yoga, bastando, para isso, cumprir as horas e as atividades do curso de formação. É uma afirmação tautológica: o requisito para tornar-se professor de yoga é estar disposto a participar de um curso que forma professores de yoga. Assim fica difícil levar estas coisas a sério.
4) Os programas desses cursos de formação de professores não deixam dúvidas quanto aos seus objetivos: formar técnicos de conscientização corporal. Hoje todos os cursos de formação de professores baseiam-se na idéia de que postura corporal é o mesmo que yoga (e vice-versa). Então, você tem cursos organizados por pessoas até bem intencionadas, mas cujos programas vão pouco além da orientação técnica a respeito dos aspectos anatômicos, fisiológicos e terapêuticos dessas posturas e de como transmitir esse conhecimento para outras pessoas. Só.
5) O resultado da profusão descriteriosa de cursos de formação de professores é o mesmo observado em outras áreas: o aumento da quantidade de profissionais em uma determinada área nem de longe assegura a boa qualidade dos serviços nessa área; geralmente é o contrário que ocorre. Por exemplo, os cursos de tecnologia do MIT são os melhores do mundo; não adianta querer criar uma infinidade de cursos de tecnologia e somá-los para superar a qualidade do MIT. A nuvem de fumaça criada por cursos medíocres ou ruins atrapalha a visibilidade que um curso de altíssimo nível teria em condições normais. Mas é claro que esta comparação só faz sentido se todos os cursos estiverem ensinando a mesma disciplina. No caso do yoga, é evidente que os cursos de formação existentes não ensinam yoga. No máximo prepararam o indivíduo para, mais tarde, aprender yoga. Se não há samadhi, se os conteúdos não ensinados todos à luz do samadhi, não estamos sequer falando de yoga.
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Peço que os leitores que me compreendem -- a maioria, felizmente -- tenham um pouco de paciência com os parágrafos seguintes. O problema é que quem não me compreende tende a assumir que sou arrogante e presunçoso ao dizer coisas como as que eu disse acima, e encerram a leitura sem se permitir uma reflexão mais minuciosa. É evidente que ninguém se beneficia com isso -- nem eu, nem meus leitores, nem meus eventuais críticos. E é por isso que algumas explicações são necessárias:
Por que isto é importante?
Por que tenho razão?
Se você duvida do que digo aqui -- é claro que você tem esse direito e tem o direito de expressar isso, expondo suas razões --, recomendo o seguinte:
- Verifique os programas dos cursos de formação de professores de yoga disponíveis atualmente. Observe se há menções a yogaterapia, alinhamento postural, técnicas de relaxamento e vinyasa.
- Verifique os perfis dos organizadores desses cursos e procure saber quanto tempo essas pessoas passaram ensinando algum método moderno.
- Verifique o que as escrituras e as principais tradições de yoga definem como yoga e como yogin/yogini. Note o que há nessas escrituras sobre yogaterapia, alinhamento postural, técnicas de relaxamento e vinyasa.
- Fica mais fácil realizar o item anterior se você puder conversar com um guru. Se você não tem acesso a um guru, pergunte-se por que.
- Aliás, verifique o que as escrituras e as principais tradições de yoga definem como guru e compare com os professores de yoga de hoje em dia. Se houver dificuldades para saber o que é um guru de yoga, leia as transcrições dos satsangs de Ramana Maharshi e de Nisargadatta Maharaj. Se você tiver dificuldades para saber o que é um professor de yoga hoje em dia, seja grato por isso.
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Comentários
Só que com a desvalorização das tradições (decorrente da modernização em vários setores da cultura e da sociedade), criou-se o abismo entre teoria e prática, entre saber e fazer. E isto, claro, foi o começo do fim.
Só que o problema é que até mesmo os gurus têm-se dobrado ante as invenções da modernidade -- ao ponto de vermos «aulas tradicionais» que chamam pranayama de «técnica respiratória» e gurus bem vestidos que admitem o uso de props.