O que é satsang?


Nisargadatta Maharaj em um de seus satsangs. 

Sem divagações, fiquemos com o real.

«Sat» é o termo utilizado para indicar o que não tem começo, meio ou fim, às vezes traduzido como «eternidade». Em alguns casos, o indiano entende o termo de forma poética e o traduz como «verdade», em oposição a maya, que é tudo aquilo que tem começo, meio e fim.

«Sangh» é associação ou encontro.

Então, satsang é o encontro com «algo» que não tem começo, meio ou fim. O termo satguru, que às vezes é traduzido como «mestre iluminado», é apenas o professor (guru) que possui a habilidade de ensinar esse algo sem começo, meio ou fim (sat, a eternidade).

Se não é sat-guru, não é sat-sang. Ponto final.

Como saber se é um satsang real?

A única forma de apontar sat é descascar o que não é. Apontar o que é pode render discursos poéticos e agradáveis, mas não leva realmente à percepção do que é.

A esta altura talvez o leitor esteja pensando: o que é já é e se de fato é assim, qualquer pessoa já seria iluminada. Por que nem todas as pessoas são iluminadas? Porque existem os avaranas, as capas de ocultamento da livre expressão do brilho do Eu. Esse brilho se expressa em sua inteireza quando o indivíduo está em samadhi -- o que está muito mais relacionado com o silêncio do que com discursos melífluos.

A expressão plena desse brilho só é possível com o primeiro pilar do satsang: atma vichara, a investigação de quem você não é. Como cada pessoa é um indivíduo, então precisa haver uma capacidade do «satsangador» para interagir com perguntas e respostas, naturalmente sem temer  perguntas, desafios, testes e sabendo sempre oferecer uma resposta que aponte aquilo que não é e mostrando porque aquilo não é. Satsang é maiêutica.

Alguns usam a desculpa da grande audiência para evitar a interação. Em certos meios, quanto mais pessoas participam de um satsang, menos espaço haverá para a interação. Mesmo assim, atma vichara é apontar o que não é, pois o que é não pode ser apontado por ser precisamente quem aponta.

Isto não constitui uma filosofia? Bem, filosofias com freqüência afirmam coisas. Se o satsang é transformado num discurso filosófico, as pessoas vão ver nisso uma receita pronta e não vão realmente aprender algo. Qualquer tipo de falatório só é útil no satsang se servir para remover crenças, conceitos religiosos e papagaiadas que só fazem sentido quando você está profundamente ignorante de quem você é. Tais crenças fazem parte da mesma raiz que mantém a «idéia de eu», uma raiz ilusória -- e aqui não importa se você é um cristão ortodoxo que segue os Mandamentos, um hippie liberal que diz que «tudo é um» ou um cético ateu que duvida de tudo -- nos três casos, como em tantos outros, o que há são brincadeiras com palavras, que com freqüência são utilizadas para autoafirmação sobre «ignorantes» que não sabem o que são os Mandamentos, o que significa «tudo é um» ou que desconhece a dúvida universal. Dito de outro modo, é fácil e temerário o ensinamento -- quando conduzido por alguém que não é um satguru -- levar à mera substituição de crenças e tornar-se um palavrório estúpido. Satsang não é isso.

Sem «descascar» não existe satsang. Sem apontar o não-eu não há o vislumbre do eu verdadeiro. E o eu verdadeiro não pode ser apontado porque está atrás da mente que aponta coisas. Como apontá-lo? Simplesmente não é possível apontá-lo.

Quando as palavras do satguru mostram que nada externo pode existir na plenitude a que o satsang se refere, você se fecha em si e então advém o silêncio que gera nirodha samskara para eliminar os vyuttana samskara -- justamente os que criam o eu com nome, identidade etc.

A única utilidade das palavras é destruir tudo que elas podem apontar até que reste apenas o que não pode ser apontado.

Mas, então, satsang é isso? Precisa ter palavras? Não. A outra alternativa -- a única -- é o silêncio. Um verdadeiro satguru cria o silêncio apenas com sua presença. A meditação torna-se mais fácil pelo simples fato de estar ao lado dele. Atma vichara -- o processo de descascar conceitos, identidades etc. -- é só o básico para conduzir ao ponto em que o satsang torna-se realmente um satsang (encontro com a eternidade). Tal encontro só é possível no silêncio profundo, em samadhi, através da criação de um campo silencioso que auxilia os iniciantes.

Imagine, por exemplo, praticar dhyana numa sala com Ramana Maharshi, Nisargadatta Maharaj, Buda e tantos outros mestres do silêncio da Índia.

Essa presença profunda pode existir com as palavras ou só depois de conduzir o chela pela «teoria básica» (o processo maiêutico de descascar conceitos e identidades)?

Nem sempre o satguru manifesta seu shaktipat. Depende do momento. Pashus não merecem o shaktipat. E mesmo que o shaktipat se manifeste, o pashu está tão imerso na própria gritaria mental que não o perceberia. Por exemplo, havia pessoas que não viam nada de especial em Ramana Maharshi.

O samadhi é o que se usa para manifestar a shakti, algo facilmente percebido por meditadores de alto nível, sensíveis para as manifestações do guru. Para pashus, porém, nada há para ser mostrado porque nada será percebido. O shaktipat é o segundo pilar do satsang. Sem o shaktipat não há satsang. No entanto, há pessoas que têm essa capacidade mesmo que não sejam satgurus. Na verdade, basta ter uma prática sólida de samadhi para desenvolver tornar o shaktipat possível, lembrando que samadhi e moksha são coisas diferentes.

Sem os dois pilares -- atma vichara e shaktipat -- não existe satsang. Se o indivíduo não possui a capacidade intelectual para descascar conceitos e identidades e se não pratica samadhi, não se trata de um satguru. E se não se trata de um satguru, não se trata de satsang. Fazer «cara de meditação», sussurrar trechos do Bhagavad Gita como quem recita poemas, fingir transe, bater papo como quem participa de uma roda de maconheiros, nada disso faz um satguru. O que faz o satguru -- e, portanto, o que faz o satsang -- é a plena capacidade de entrar em samadhi diante dos presentes.

O satguru indica sat através do shaktipat e para desenvolver tal capacidade nem é necessário atingir moksha, basta uma sólida prática de samadhi. Mesmo sem moksha o indivíduo pode tornar-se um satguru -- a «iluminação» não é condição para indicar sat para outras pessoas, mas o samadhi é.

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Texto inspirado neste.

Comentários

Susana Antunes disse…
Depois de ler o texto, será que poderia explicar melhor esta parte, uma vez que não percebo sanscrito?
"O samadhi é o que se usa para manifestar a shakti, algo facilmente percebido por meditadores de alto nível, sensíveis para as manifestações do guru. Para pashus, porém, nada há para ser mostrado porque nada será percebido. O shaktipat é o segundo pilar do satsang. Sem o shaktipat não há satsang. No entanto, há pessoas que têm essa capacidade mesmo que não sejam satgurus. Na verdade, basta ter uma prática sólida de samadhi para desenvolver tornar o shaktipat possível, lembrando que samadhi e moksha são coisas diferentes."
Gostava muito de entender...uma vez que o que pratico é como autodidata...preciso de entender algumas coisas...melhor.