Este texto baseia-se e inspira-se nos Yoga Sutras.
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Sabe
o que acontece quando você oferece uma «visão positiva» do yoga? Muitas
pessoas tomam essa «visão positiva» como forma de validar o chorume em
que estão mergulhadas há tempos. Por exemplo, com freqüência o verso
I,33 dos Yoga Sutras é citado para defender e justificar a
responsabilidade social no yoga.*
A mente é purificada pelo cultivo dos sentimentos de amizade para com aqueles que são felizes, compaixão para com aqueles que sofrem, boa vontade para com os virtuosos e indiferença ou neutralidade para com aqueles que percebemos como maus ou malignos.
«Sutra» alude a costurar, tecer. Como nos tecidos, nos sutras as partes também dependem do conjunto e, portanto, dependem umas das outras. Isto significa que não é possível compreender um (01) único verso de uma obra se não se compreende o sentido geral dessa obra. Isto, é claro, vale para os Yoga Sutras. Não é possível entender o sentido dos asanas sem entender o sentido dos yamas e sem entender o sentido do samadhi; também não é possível entender o sentido de cada uma dessas partes sem entender o que Patañjali queria transmitir com sua obra.
O objetivo dos parágrafos seguintes é lembrar aos
estudantes de yoga o sentido geral dos Yoga Sutras e a importância de se
ler, estudar e praticar os angas à luz desse sentido geral.
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O yoga só se realiza na prática do samadhi e a compreensão plena de todas as técnicas só se realiza quando há samadhi. Antes disso, técnicas são apenas técnicas. Onde não há samadhi sobram interpretações e versões. É isto que explica a profusão de «estilos» de yoga. O fato de você transpirar em bicas enquanto realiza posturas corporais difíceis ou o fato de construir seqüências corporais esteticamente interessantes não significa nada para quem sabe o que é o samadhi.
O que chama a atenção é priorizar a prática corporal intensa em detrimento da prática do samyama: priorizar o que não é samyama implica colocar em segundo plano aquilo que é samyama. É por isso que vemos tantas pessoas preocupadas em «conquistar uma postura» (se você sabe o que esta expressão significa, explique). É por isso também que vemos tantas pessoas preocupadas em vigiar a própria alimentação e tão pouco preocupadas em obter plena compreensão e plena experiência do samyama. Para estas pessoas é necessário «fazer algo» e obter resultados visíveis. O samyama é sutil demais para essas pessoas, tanto na «ação» que o samyama implica quanto nos resultados a que ele leva.
O caminho para não ser um idiota do yoga, portanto, começa na plena compreensão e plena experiência do samyama.
Isto pode soar paradoxal, já que o samyama corresponde às três partes
finais do yoga. Isto equivale a dizer que, para fazer um bolo, você
precisa tê-lo pronto diante de si.
Mas isto só soa paradoxal para quem toma os Yoga Sutras de forma linear. A maioria das pessoas lê os Yoga Sutras como se estivesse diante de um manual técnico, como se só pudesse avançar até a página 12 após dominar todas as técnicas e orientações descritas nas página anteriores. Isto as leva a crer, por exemplo, que yamas são «regras morais» e asanas são «posturas corporais». A crença se cristaliza e isso se transforma num método que consiste em ser vegetariano para cumprir ahimsa, usar props para «conquistar posturas difíceis» e «meditar no asana» para «desenvolver a espiritualidade». O método é compilado, comercializado e produz sementes e frutos. Em uma ou duas gerações forma-se um exército de idiotas que realmente crêem que vegetarianismo é ahimsa, que fazer pose é asana e que meditação é uma espécie de bônus espiritual.
Mas isto só soa paradoxal para quem toma os Yoga Sutras de forma linear. A maioria das pessoas lê os Yoga Sutras como se estivesse diante de um manual técnico, como se só pudesse avançar até a página 12 após dominar todas as técnicas e orientações descritas nas página anteriores. Isto as leva a crer, por exemplo, que yamas são «regras morais» e asanas são «posturas corporais». A crença se cristaliza e isso se transforma num método que consiste em ser vegetariano para cumprir ahimsa, usar props para «conquistar posturas difíceis» e «meditar no asana» para «desenvolver a espiritualidade». O método é compilado, comercializado e produz sementes e frutos. Em uma ou duas gerações forma-se um exército de idiotas que realmente crêem que vegetarianismo é ahimsa, que fazer pose é asana e que meditação é uma espécie de bônus espiritual.
Não seja assim. Não seja um idiota do yoga. Os itens abaixo não passam de derivações dessa dica capital:
1) Não crie um «novo método» ou «novo estilo» de yoga. Melhor do que isso: passe longe dessas coisas. Ninguém genuinamente interessado no yoga precisa de um «novo método». Quem realmente se beneficia com novidades são pessoas incapazes de compreender o que já está à disposição de todos e que realmente tem produzido bons frutos pelo menos desde a Idade Média. Patañjali sabia das coisas e o máximo de «novidade» que ele produziu foi uma apostilinha de umas 10 páginas. E mesmo assim não foi ele que inventou aquela coisa toda.
1) Não crie um «novo método» ou «novo estilo» de yoga. Melhor do que isso: passe longe dessas coisas. Ninguém genuinamente interessado no yoga precisa de um «novo método». Quem realmente se beneficia com novidades são pessoas incapazes de compreender o que já está à disposição de todos e que realmente tem produzido bons frutos pelo menos desde a Idade Média. Patañjali sabia das coisas e o máximo de «novidade» que ele produziu foi uma apostilinha de umas 10 páginas. E mesmo assim não foi ele que inventou aquela coisa toda.
2) Tudo no yoga tem um sentido e este sentido se chama samadhi. Ter
um sentido, literal ou metaforicamente, significa saber para onde se
vai, aonde se pretende chegar. O que define a condição humana, inclusive
no yoga, é ter consciência desse sentido e realizar todas as ações à
luz desse sentido. Fazer asana à luz do samadhi é fazer asana realmente.
Fazer asana na escuridão da falta de sentido, com a única perspectiva
de realizar bem uma postura corporal, é agir como um animal de circo.
3) Yamas e niyamas não são regras morais. Ok,
suponhamos que você seja tão irresponsável e infantil que precise de
muletas morais e daquele tipo de educação moral baseada em regras
coladas na primeira página de um manual. Se você perpetuar a idéia de
que yamas e niyamas são regras morais, sabe o que vai acontecer? Yamas e
niyamas nunca chegarão a ser angas, isto é, jamais serão os degraus
para o que quer que seja, muito menos para samadhi. E assim você será
aquele tipo de pessoa burrinha que acha que toda crítica é funesta e
«totalmente contrária a ahimsa» e que yoga significa «pratique e tudo
acontecerá» (uma das frases mais retardadas que já ouvi), porque
discutir é coisa de trogloditas. Shankaracharya certamente discorda de
você neste ponto.
4) Pranayama não é exercício respiratório. Uns
anos atrás lembro de ter visto aquele famoso vídeo em que o
fisioterapeuta Iyengar demonstra -- num palco, com microfone e holofotes
-- sua extraordinária capacidade respiratória. Ele realiza uma longa
inspiração, de aproximadamente um minuto, seguida de uma longa
expiração, também de um minuto. O som gutural leva todos a pensar no
ujjayi pranayama. E daí? Se pranayama fosse exercício respiratório,
mergulhadores em apnéia e alpinistas acostumados ao ar rarefeito seriam
grandes yogis. Respirar, todo mundo respira. Mas no yoga tudo deve
apontar para o samadhi, inclusive o pranayama. Ou isso ou vira
traquinagem.
5) Existe uma diferença muito grande entre realizar savasana, yoganidra e pratyahara.
De forma breve e direta: savasana é um asana, yoganidra é uma técnica
moderna de relaxamento mental e corporal conduzido e pratyahara é
classicamente a introspecção dos sentidos. Prestar atenção a estas
definições é suficiente para evitar confusões e, novamente, para lembrar
dos objetivos de cada técnica e do yoga de um modo geral. Mas tente
perguntar para um «estudante de yoga»: como se pratica pratyahara?
Invariavelmente ele descreverá a técnica do yoganidra ou, em casos de
miséria profunda, a técnica do savasana.
6) Não se associe a pessoas que crêem que tudo se resolve com o «novo método» ou «novo estilo» que elas representam. Esta
dica pode soar antipática, mas é isso aí, minha gente -- desde que você
realmente tenha mais interesse em yoga do que em «vencer seus medos»,
«sair de sua zona de conforto» ou «melhorar a auto-estima». Na verdade,
esta dica pode ser resumida da seguinte forma: não perca seu tempo.
7) Lembre-se que instrutor não é guru e o yoga é feito de gurus, não de instrutores.
Não é estranho que tantos instrutores evitem usar esse termo,
principalmente para se referir a si mesmos? Se não são gurus, como podem
ensinar yoga? Se são apenas instrutores, como podem ensinar yoga? A
resposta é simples: eles não ensinam yoga.
8) Asana não é «postura corporal». Se asana fosse
«postura corporal», as estátuas vivas do centro de São Paulo seriam
grandes yogins. Meu respeito e admiração aos artistas de rua, claro;
estou dizendo apenas que fazer pose com o corpo e sustentá-la por vários
minutos não implica o sujeito ser um yogin. Ginastas, atletas,
bailarinos -- estas pessoas são famosas pelo excelente domínio do corpo.
O que isto tem a ver com o yoga? Em princípio, muito pouco. A
consciência corporal é um passo para a realização como yogin, não o
controle ou o domínio do corpo. Todos os sistemas modernos baseiam-se na
idéia de que o yoga se define na prática corporal. Quem defende esta
idéia mostra que sequer conhece a diferença entre yoga e hathayoga. E
isto nos leva à próxima dica.
9) Saiba o que diferencia o yoga do hathayoga e saiba o que diferencia o hathayoga de todos os sistemas modernos. Muitas
pessoas acham que esse papo de diferenciação é bobagem. São exatamente
essas pessoas que repetem que «yoga é união», «tudo é Um» e «não existe
melhor ou pior». Já expliquei por que esses slogans são idiotas, aqui e aqui.
10) Pare definitivamente com essa besteira de «yoga para...», «asana para...». Abandone essa visão utilitarista do yoga, que coloca técnicas do
hathayoga a serviço dos objetivos mais diversos e dissonantes. É claro
que você pode usar paschimottanasana para alongar a coluna e tornar as
pernas mais flexíveis, e isto melhorará sua postura e a mobilidade de
suas pernas. Mas, como diz o ditado budista, se você fixar sua atenção
no dedo, fatalmente esquecerá da lua. Tudo depende do que você quer.
Yoga é transcendência, ainda que em circunstâncias específicas a prática possa produzir resultados que o tornam cada vez mais escravo da imanência.
4 comentários:
Exatamente...praticas sem conceito vira outra coisa.
a melhor coisa que eu li nos últimos tempos...
Concordo e discordo pois como seria possível alguém alcançar todos os benefícios da prática sem ao menos começar de algum lugar?
«como seria possível alguém alcançar todos os benefícios da prática sem ao menos começar de algum lugar?»
O que eu recomendo é justamente que se comece do samadhi -- não da prática do samadhi, mas de algum entendimento do samadhi, mesmo que superficial. Quando se estabelece esse norte para a prática é possível avançar consistentemente desde os angas mais básicos.
Obviamente -- como também explico no texto -- começar pelo entendimento do samadhi implica ter acesso a um guru ou pelo menos a fontes (shastras, livros) que tratam a prática desde esse ponto de vista.
O que não parece muito adequado é começar com vinyasa ou ióga restaurativa achando que com isso foi dado o primeiro passo rumo ao samyama.
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