Ciência é a busca sistemática pelo conhecimento. Quando falamos de ciência pensamos no trabalho de cientistas, na evolução do conhecimento, no progresso tecnológico e em diversas atividades e atitudes comuns em universidades e centros de pesquisa — observação, experimentação, verificação, validação etc.
O que estas coisas têm a ver com o yoga?
O primeiro passo para responder esta pergunta consiste em identificar o que há de comum entre as ciências de um modo geral e o que se convencionou chamar de «ciência do yoga». Quando fazemos isso notamos o seguinte: tanto o cientista clássico (um químico, um biólogo, um geólogo) quanto um yogi estão buscando conhecimentos.
No caso das ciências, essa busca é a própria pesquisa científica, um procedimento que pressupõe um objeto de estudo, que é um ente externo ao cientista-observador — por exemplo, uma bactéria, um composto químico ou uma teoria.
No caso do yoga, não há propriamente uma busca pelo conhecimento, mas por autoconhecimento. Isto significa que o objeto de estudo é o próprio yogi-observador. Não há no yoga um ente externo a ser observado como meio de adquirir conhecimento.
Se ciência e yoga se assemelham na busca por conhecimento, a diferença entre as duas categorias de conhecimento é evidente. É isto que torna a busca «científica» do yoga diferente da busca científica do químico, do biólogo e do geólogo. Todo mundo sabe que Bohr, Lavoisier e Pasteur foram grandes cientistas, mas seria meio esquisito classificar desta forma mestres do yoga como Ramana Maharshi e Nisargadatta Maharaj.
Poderíamos encerrar o artigo aqui porque o essencial já foi dito, mas surgem dois problemas importantes.
Primeiro, muitas disciplinas modernas inspiradas no yoga desenvolvem atividades que se assemelham às ciências tradicionais.
Segundo, apesar da natureza única do autoconhecimento, algumas pessoas argumentam que se trata de algo que pode ser desenvolvido como uma ciência — isto é, seria possível pesquisar a si mesmo da mesma forma que um cientista moderno pesquisa um mineral.
No primeiro caso, podemos partir dos trabalhos do pesquisador Swami Kuvalayananda no Instituto de Lonavla, em Kaivalyadhama, na Índia.
Kuvalayananda foi um dos pioneiros de uma tendência bastante comum hoje em dia: a de identificar e valorizar os efeitos das técnicas do Hatha Yoga sobre a saúde. Diversos sistemas terapêuticos e a própria yogaterapia originaram-se a partir dos trabalhos de Kuvalayananda.
Porém, tanto na pesquisa científica de técnicas do HathaYoga como na experiência individual que assinala uma evolução mensurável, o que há não é uma «ciência do yoga», mas uma ciência de fragmentos do yoga.
Mas... fragmentos de uma coisa não são a coisa, fragmentos do yoga não são o yoga.
O estudo sistemático desenvolvido por Kuvalayananda era apenas uma busca por respostas à seguinte pergunta: como a prática postural, os exercícios respiratórios e as travas corporais influenciam a saúde de quem se dedica a essas técnicas? É evidente que esta pergunta está muito longe de abarcar a totalidade do yoga.
Se considerarmos que o yoga é essencialmente a meditação e que técnicas como asanas e pranayamas são ferramentas para facilitá-la e potencializá-la, estudar essas ferramentas como se elas fossem a espinha dorsal do yoga é uma forma muito eficiente de ignorar seus propósitos originais. Em outras palavras: o olhar científico é cego para o sentido profundo das técnicas do yoga.
Com efeito, a yogaterapia — uma das crias do «yoga científico» — é um sistema de medicina alternativa, não um meio de autoconhecimento e de libertação do sofrimento. A proposta da yogaterapia é a cura de doenças. Útil, importante e necessário, claro, mas sem relação com o yoga que os mestres vêm ensinando há séculos. Yogaterapia é terapia, não yoga.
Mas simplifiquemos.
Se você entendeu o que eu disse até aqui como «ele é contra a yogaterapia», «ele está falando mal de quem usa o yoga para curar doenças» ou -- ainda pior -- «ele é contra a ciência», então você é ou meio burrinho ou meio canalha -- sem descartar uma terceira opção que mistura as duas primeiras.
O problema aqui não é outro senão o mau uso das palavras.
Se o «yoga científico» visa melhorar a saúde e o yoga dos Sutras, do Gita e dos tântricos não visa, então alguém está usando o termo yoga do jeito errado. Não é difícil saber quem.
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Para finalizar, reproduzo aqui dois trechos de meu artigo «Mentiram para você sobre o yoga», que foi o ponto de partida para este:
«Tornar o yoga compreensível para o pensamento científico significa extrair e priorizar as partes do yoga que podem ser enquadradas nesse pensamento e descartar todo o restante. (...) A ciência não está preocupada com a sua libertação e sim com o estabelecimento de critérios objetivos que permitam aos cientistas observar, registrar, medir e analisar os elementos do yoga que podem ser observados, registrados, medidos e analisados com os meios que a própria ciência considera válidos.»
Em resumo: o que não pode ser observado, registrado, medido e analisado com os instrumentos científicos usuais simplesmente não existe para a ciência.
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