Pergunte ao yogi

O que devo comer? Devo me tornar vegano?
Sou muito irritado e nervoso. Como lidar com isso?
Penso em deixar meu trabalho e me tornar professor de yoga. O que você acha?
Existe vida após a morte?
Qual a diferença entre Atma, Purusha, Prakriti?
É adequado usar substâncias enteógenas como ayahuasca para meditar?

Esta é uma pequena amostra das perguntas que venho recebendo nas caixinhas do Insta. Todas elas revelam problemas importantes de compreensão do que vem a ser o yoga. Explico a seguir. 

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O que devo comer? Devo me tornar vegano? 

Yogis não são nutricionistas. Yoga não trata de nutrição. O fato de você encontrar duas ou três recomendações alimentares em textos obscuros de uma tradição pela qual você não se interessa de verdade significa apenas que você tem preguiça de ir além dessas três recomendações e dedicar-se a sério ao yoga.

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Sou muito irritado e nervoso. Como lidar com isso? 

Yogis não são psicólogos. A tal «psicologia do yoga» é uma invenção de psicólogos da Nova Era, não de yogis. Para um yogi, sentimentos são parte daquele imenso conjunto de obstáculos que deve ser colocado em standby quando se medita. Para um yogi, ser emotivo é quase tão ruim quanto usar drogas.

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Penso em deixar meu trabalho e me tornar professor de yoga. O que você acha?

Yogis não são o Pablo Marçal, não são coaches de carreira e de finanças. Quem pergunta esse tipo de coisa já decidiu o que quer fazer e só está buscando validação porque não é adulto o suficiente para dar o primeiro passo sozinho. Yogis não buscam validação. Yogis buscam aprender com o mestre, aplicar o que aprenderam e meditar muito.

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Existe vida após a morte?

Alguns yogis até podem ser sacerdotes religiosos (porque, sim, o yoga é uma religião, mas isso fica para outro texto), mas quem sente necessidade de perguntar esse tipo de coisa não está pronto para receber a resposta. Como diria Confúcio: você não entende a vida e quer entender a morte? Tem muito arroz com feijão pra comer até que você tenha condições de entender algo sobre esse «após». 

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Qual a diferença entre Atman, Purusha, Prakriti?

Mesma coisa aqui: estes três conceitos estão relacionados à cosmovisão do yoga. Este conhecimento pode ajudar sua mente a se alinhar um pouco mais com o yoga, para produzir idéias e sensações do tipo «agora sim estou estudando yoga», mas nunca, nunca será mais importante do que calar a boquinha, deixar a mente falar sozinha e meditar.

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É adequado usar substâncias enteógenas para meditar?

Yogis não são o Timothy Leary, não são o Don Juan dos livros do Castañeda. Você ouviu falar que alguns rishis usavam «soma» pra ter insights extraordinários e se empolgou com isso, não foi? Mas você não é um yogi, muito menos um rishi. Enteógenos não se destinam a quem está longe de entender a importância da meditação no yoga. Rishis usavam enteógenos porque já eram rishis antes dessas substâncias. Quem usa enteógeno na esperança de entender algo sobre a realidade transcendental não vai entender nem o lodo em que seus pés estão presos.

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Que fique claro: perguntar não é ruim, mas fazer perguntas como se elas fossem mais importantes do que a própria prática do yoga ou como se a prática do yoga dependesse das respostas é obviamente contra-producente. Não faça isso.

 

Você não vai se tornar um meditador melhor se souber a diferença teórica entre Atman, Purusha e Prakriti, se souber que certas substâncias alucinógenas alteram fortemente a qualidade da meditação, se souber que não existe vida após a morte. Você vai se tornar um meditador melhor se se dedicar à prática da meditação e às técnicas do Hatha Yoga (Chaturanga Sadhana).

Para um iniciante, cada um desses conhecimentos tem um enorme potencial para se tornar um bibelô mental, um troço açucarado que atrai formigas e vespas. Cada um desses conhecimentos é uma bomba cuja explosão reverberá por meses, talvez anos, e soterrará as portas que a meditação abre para o Silêncio.

Quando você perde a conexão com o Silêncio você perde tudo no yoga — sobrarão apenas as formigas e as vespas, que o afundarão cada vez mais no turbilhão de perguntas e respostas até que nenhuma pausa, nenhuma quietude, nenhum Silêncio reste, apenas mais e mais perguntas e respostas. De novo: não faça isso.

 

18/3/2024 

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